O diabetes mellitus (DM) é uma das doenças crônicas mais importantes para a saúde pública em todo o mundo, tendo em vista a sua prevalência crescente e sua associação com complicações graves e, muitas vezes, fatais.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), o DM é um distúrbio metabólico caracterizado por hiperglicemia persistente, decorrente de deficiência na produção de insulina ou na sua ação, ou em ambos os mecanismos, ocasionando complicações em longo prazo.
O tipo mais comum é o diabetes tipo 2 (DM2), responsável por mais de 90% dos casos, que frequentemente se associa a obesidade central, síndrome metabólica, envelhecimento e história familiar. O diabetes tipo 1 (DM1) corresponde a cerca de 5% dos casos, costuma ter início numa faixa etária mais jovem e requer o tratamento com insulina injetável desde o início.
Apesar de ser comum e bem conhecido, infelizmente o DM é subdiagnosticado. A International Diabetes Federation (IDF) estima que 12,5 milhões de brasileiros são portadores de DM, e que cerca de metade deles não sabe que tem a doença!
Dia Mundial do Diabetes
Como o Dia Mundial do Diabetes é na semana que vem (14 de novembro), levantamos os 7 maiores desafios na avaliação e no diagnóstico do diabetes mellitus, para ajudar você a dar o melhor cuidado possível aos seus pacientes.
De quebra, trazemos uma promoção imperdível: um jogo para educação médica sobre diabetes pela metade do preço! Aproveite, é só até 14/11! Veja mais informações no final deste post.
Os 7 maiores desafios na avaliação do diabetes
1) Não checar os exames pode atrasar o diagnóstico
A falha do médico em checar ou interpretar corretamente os exames laboratoriais é uma causa importante de atraso no diagnóstico de DM.
Um estudo realizado em serviços de saúde do sistema Kaiser Permanente, nos Estados Unidos, avaliou quantos pacientes sem diagnóstico prévio de diabetes apresentavam hemoglobina glicada A1c em níveis iguais ou acima de 6,5%, que é o limiar diagnóstico para DM. Dos 18 mil adultos identificados, observou-se que, um ano depois, 30% ainda não haviam recebido dos seus médicos o diagnóstico clínico de diabetes!
Este período que os pacientes passam com DM não diagnosticado representa uma oportunidade perdida para iniciar o tratamento para melhora da glicemia, do estilo de vida e dos fatores de risco cardiovascular.
Pediu um exame? Não esqueça de ver e interpretar o resultado!
Uma maneira relativamente simples de resolver essa questão é com o uso do prontuário eletrônico. O uso de alertas para chamar a atenção do médico para uma glicemia alterada pode ajudar a reduzir o subdiagnóstico.
2) Glicemia de jejum isolada pode ser enganosa
Este é um erro comum: confiar demais numa glicemia de jejum para excluir diabetes.
No entanto, a glicemia é um marcador que tem grande variabilidade biológica (pode estar normal num dia, alta no outro) e tem sensibilidade relativamente baixa.
Você já sabe que o diagnóstico de diabetes pode ser feito se alguém tiver pelo menos um dos seguintes critérios:
- glicemia de jejum maior ou igual a 126mg/dL;
- glicemia maior ou igual a 200mg/dL, duas horas após sobrecarga oral com 75 de glicose (“teste oral de tolerância à glicose” – TOTG);
- hemoglobina glicada A1c maior ou igual a 6,5%.
Mas você sabia que nem sempre um paciente com DM vai apresentar todas essas alterações?
A esse respeito, queremos compartilhar os resultados de do clássico estudo DECODE, feito em 1998 na Europa. Dos pacientes diagnosticados com DM usando glicemia de jejum e/ou TOTG, 40% só tinham a glicemia de jejum alterada, 31% só tinham o TOTG alterado, e 28% tinham os dois critérios: glicemia de jejum + TOTG.
Por isso, se você estiver diante de uma pessoa com muitos fatores de risco para diabetes tipo 2 (idade acima de 45 anos, obesidade central, síndrome metabólica, forte história familiar de diabetes, diabetes gestacional prévio etc), é melhor não pedir só a glicemia de jejum. (Você pode deixar passar o quase 1/3 de pessoas com DM que só tem TOTG alterado, com glicemia de jejum praticamente normal!)
Peça o TOTG, se quiser aumentar ao máximo a sensibilidade do seu rastreamento.
Outra opção é a A1c, se você não quiser submeter seu paciente a um exame chato e desconfortável como o teste oral, mas sua sensibilidade é mais baixa.
Uma ferramenta adicional para avaliar se seu paciente tem risco aumentado de diabetes tipo 2 é o uso do questionário de avaliação de risco apresentado abaixo.
Se a pontuação for igual ou superior a 5, o paciente é de alto risco – e já merece ser submetido a testes para rastreamento de diabetes.
3) Pré-diabetes é doença?
Pré-diabetes é uma categoria intermediária entre o metabolismo normal de glicose e o diabetes tipo 2, caracterizado pela presença de um ou mais dos seguintes critérios:
- glicemia de jejum entre 100 e 125mg/dL;
- glicemia entre 140 e 199mg/dL após 2 horas de sobrecarga oral com 75g de glicose (TOTG);
- A1c entre 5,7 e 6,4%.
Lembre que o paciente só é ser considerado portador de pré-diabetes se não apresentar nenhum critério para diabetes! Por exemplo: um paciente com glicemia de jejum entre 100 e 125mg/dL pode apresentar glicemia pós-TOTG maior que 200mg/dL. Nesse caso, ele já é considerado portador de diabetes, e não pré-diabetes!
Assim sendo, o ideal é que todo paciente com glicemia de jejum entre 100 e 125mg/dL faça TOTG e dosagem de A1c.
Para a SBD, o pré-diabetes não é considerado doença, mas sim uma condição de risco aumentado para diversas complicações.
Há evidências de que o pré-diabetes é um importante fator de risco para diabetes tipo 2 e para doença cardiovascular. Além disso, pacientes com pré-diabetes frequentemente apresentam diversos outros fatores de risco cardiovascular (hipertensão, HDL-colesterol baixo, hipertrigliceridemia, obesidade), que devem ser buscados e tratados se necessário.
A orientação atual é a seguinte: pacientes identificados com pré-diabetes devem ser orientados a mudar seu estilo de vida (dieta adequada, perda de peso, atividade física regular, cessação do tabagismo), e acompanhados regularmente (uma ou duas vezes por ano). Metformina pode ser considerada em conjunto com essas mudanças, especialmente em pacientes obesos.
4) A1c é um ótimo exame, mas não é perfeito
A A1c é uma alternativa teoricamente interessante para diagnóstico de DM: pode ser colhida a qualquer horário do dia, sem necessidade de jejum, e tem boa correlação com a glicemia média dos últimos três meses e com o risco de complicações do DM.
No entanto, como qualquer exame, a A1c tem suas limitações.
Uma delas é o método laboratorial. Sempre devem-se preferir métodos certificados pelo programa National Glycohemoglobin Standardization Program (NGSP), mais confiáveis.
Outra diz respeito a interferências no teste. Como a A1c é gerada pela ligação não-enzimática da hemoglobina normal do adulto (HbA) à glicose circulante durante toda a vida da hemácia (cerca 120 dias), qualquer situação que diminua a HbA (como a presença de HbS, HbC ou talassemias) ou altere a meia-vida da hemácia (anemias hemolíticas, anemias carenciais, doenças da medula óssea) pode interferir nessa cinética e produzir resultados de A1c discordantes da glicemia do paciente.
Nesses casos, confie apenas nas dosagens de glicemia!
5) Não examinar os pés é um tiro no pé
A neuropatia diabética é uma das complicações crônicas mais temidas do diabetes, podendo resultar em úlceras, gangrena e amputações de membros inferiores. E o pior: a perda de sensibilidade nos pés nem sempre é percebida pelo paciente!
Daí a importância do exame rotineiro dos pés em todo paciente com DM, incluindo testes de sensibilidade como o monofilamento (veja figura acima).
Inclusive, a frequência com que o profissional de saúde examina os pés dos seus pacientes com DM é um forte indicador da qualidade do cuidado em diabetes!
Portanto, não fique contente em perguntar ao paciente com DM se ele tem alterações de sensibilidade.
Faça o exame você mesmo, pelo menos uma vez por ano! Isso pode diminuir muito o risco de amputações.
6) Não entender o estilo de vida do paciente é meio caminho para o fracasso
Muitos médicos, por falta de tempo ou outros fatores, não se esforçam para entender como é a vida dos seus pacientes com DM lá fora do consultório – que é onde, surpreendentemente, eles passam a maior parte do tempo!
Dessa maneira, é comum a prescrição de esquemas rígidos de tratamento, que não levam em conta os horários de alimentação, a atividade ou os hábitos de vida dos pacientes. Esses esquemas, em geral, são difíceis de seguir, desmotivam os pacientes e acabam tendo maus resultados.
Ao invés de forçar o paciente a adaptar sua vida para se encaixar no tratamento, converse e descubra, junto com ele, como encaixar o tratamento na sua vida!
Para isso, obviamente, você precisa conhecer bem seu paciente, seus hábitos e seus valores. Isso exige tempo e paciência.
É por isso que uma consulta bem-feita de um paciente com DM não pode ser feita em 15 minutos!
7) Jogar toda a culpa no paciente é maldade
O diabetes tipo 2 é uma doença tipicamente progressiva. Com o passar dos anos, apesar do tratamento, os pacientes continuam perdendo capacidade de secreção de insulina.
Por esse motivo, é comum que os pacientes precisem ir acrescentando gradativamente novas medicações antidiabéticas, ao longo do tempo.
Muitos médicos, ignorantes desse fato, limitam-se a culpar o paciente se a sua glicemia vai piorando. “Você não toma o remédio direito”, “você está fazendo tudo errado” são frases comuns nessas situações.
É claro que, em algumas situações, o paciente pode ter relaxado na mudança de estilo de vida, ou ter feito uso irregular da medicação por algum motivo.
Mas ficar apenas culpando o paciente não é a melhor resposta!
Os resultados são melhores se as duas partes, médico e paciente, formam uma aliança terapêutica e ambos comprometem-se a fazer algo para melhorar. Isso inclui a conscientização e responsabilização do paciente pela sua parte no tratamento, mas também o ajuste criterioso e consciente das medicações, da parte do médico.
Se o médico não cumpre seu papel e deixa de fazer os ajustes necessários na medicação, configura-se o que chamamos de “inércia clínica” (a falta de intensificação do tratamento quando necessária).
A inércia clínica e é um grande problema no diabetes, especialmente quando o paciente passa a precisar de insulina. Vários estudos mostram que há um atraso de 3 a 9 anos para o efetivo início de insulina no DM2, o que contribui para o mau controle glicêmico e o maior risco de complicações.
Como diminuir a inércia clínica?
A educação continuada dos profissionais de saúde é uma das maneiras mais custo-efetivas de diminuir a inércia clínica e melhorar o tratamento dos pacientes com DM2.
Existem até jogos para ajudar nisso!
Um exemplo é o InsuOnline, jogo digital desenvolvido para a educação de médicos sobre como iniciar e ajustar insulina adequadamente.
Esse jogo é simplesmente ótimo: foi campeão brasileiro da Microsoft Imagine Cup em 2013 e mostrou, em um estudo randomizado, ser mais efetivo do que um treinamento presencial para educação médica em diabetes.
Veja matéria do Canal Futura sobre o jogo:
Ficou interessado?…
Pois temos uma ótima notícia para compartilhar com você, leitor do blog!
Fizemos uma parceria com a Oniria Games for Health, desenvolvedora do jogo Insuonline, para oferecer o jogo com 50% de desconto, até o dia 14 de novembro, Dia Mundial do Diabetes!
PARA SABER MAIS:
Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). Conduta Terapêutica no Diabetes Tipo 2: Algoritmo SBD 2019. São Paulo: SBD, 2019.
Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). Diretrizes SBD 2017-2018. São Paulo: Cannad, 2017.
Diehl LA, Souza RM, Gordan PA et al. InsuOnline, an electronic game for medical education on insulin therapy: a randomized controlled trial with primary care physicians. JMIR, 2017.
Autor: Leandro Arthur Diehl
Você pode referenciar o artigo acima usando o Digital Object Identifier (Identificador de Objeto Digital) – DOI.
DOI: 10.29327/823500-77