As normas e regras não escritas, as relações interpessoais, os códigos informais de conduta e as tradições de uma disciplina, serviço ou curso são o que constitui o currículo oculto.
Explicando melhor: o currículo oculto é tudo aquilo que um curso apresenta ao estudante e que não está escrito mas é observável.
Por exemplo: o compromisso dos docentes com horários, a disciplina, a relação com pacientes, estudantes e colegas e, principalmente, a honestidade de propósitos.
Todos sabemos que o treinamento em um tema, como o raciocínio clínico, é constituído de conhecimento, habilidades e atitudes. Também é lugar comum que um currículo necessita de conteúdo, formas de instrução adequadas e avaliação consistente, coerente e significativa.
Para desenhar um curso eficiente, é necessário descrever os assuntos, planejar cada etapa cuidadosamente, executar cada etapa com perfeição e avaliar os resultados do programa e o rendimento dos estudantes. Mas não é só isso: também devemos deixar claro o currículo oculto.
Como fazer para revelar este currículo de forma inequívoca e transparente?
Só há uma maneira de fazê-lo. É demonstrando que o que se prega, se ensina (teach what you preach). Para tanto, é preciso revelar todas as qualidades pessoais e o comprometimento dos docentes com horários, apresentação pessoal, linguagem apropriada, e, sobretudo, atenção e carinho com os pacientes.
O respeito aos estudantes, colegas, membros da equipe, familiares e funcionários é um caminho que leva à criação de um modelo, um exemplo que possa ser seguido pelo estudante.
Para ilustrar como isso funciona, conto abaixo duas experiências verídicas.
Currículo oculto: para o bem
Desde que a Universidade Estadual de Londrina (UEL) começou a formar médicos (em 1972) até hoje, temos sessenta e cinco turmas de médicos formadas em 45 anos!
E ali podemos observar um currículo oculto, declarado e aberto, que perpassa desde os primórdios do curso até hoje. É só notar que, em todas as turmas formadas no curso de Medicina da UEL, a disciplina de Nefrologia foi homenageada na formatura – a própria disciplina, ou um ou mais dos seus docentes.
Isto não se deve a uma ou outra pessoa, mas sim, a uma filosofia implantada pelos seus pioneiros e replicada até o presente.
As regras não escritas do currículo de Nefrologia – cuidar bem dos pacientes, respeitar a todos – são abertas, transparentes e aplicadas rigorosamente desde sempre.
Não é preciso citar detalhes pois, felizmente, muitos estudantes passaram a emular estas regras como exemplos, e as multiplicaram pelo país afora.
Currículo oculto: para o mal
Por respeito, vou omitir a faculdade. Há muitos e muitos anos, havia uma disciplina regida por um catedrático que era, mesmo para aquela época, anacrônico. Era um indivíduo grandão e desengonçado dentro do seu avental comprido. O professor não admitia ser abordado por nenhum aluno, nem mesmo para cumprimentá-lo. Andava com um séquito de assistentes a segui-lo sem saber bem para onde.
Sua disciplina se baseava na vivissecção de cães com o falso propósito ou pretexto de ensinar a operar. Só que o pós-operatório dos animais era feito onde se pudesse: na casa dos alunos, nos pensionatos ou na Casa do Estudante! Os detalhes são muito dolorosos para serem descritos.
Pois bem: seus critérios de avaliação também eram inválidos. Tinha predileção para reprovar alunos de ascendência japonesa, ou alguns infelizes pegos ao acaso.
Felizmente, isto terminou. Mas serve de exemplo de um currículo oculto dantesco e sem propósito. Algum espírito mais fraco poderia pensar que maus tratos a animais e atitudes racistas poderiam, de alguma forma, ser aceitas. De maneira alguma! Não se sabe de nenhuma homenagem, exemplo ou seguidor deixado por esta disciplina – até porque a lei não o permitiria nos dias de hoje.
Conclusões
Para o bem, o currículo oculto existe e precisa ser exposto no dia a dia, na festa de formatura e também na vida. Para os outros, sempre há o Show de Talentos da Medicina, ao final do curso, onde são expostos com justiça!
Currículos ocultos, cedo ou tarde, para o bem ou para o mal, acabam sendo expostos pelos estudantes, e farão parte da história e do seu julgamento para sempre.
PARA SABER MAIS:
Lempp H. The hidden curriculum in undergraduate medical education: qualitative study of medical students’ perceptions of teaching. BMJ, 2004.
Autores:
- Fabrizio Almeida Prado
- Leandro Arthur Diehl
- Pedro Alejandro Gordan
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DOI: 10.29327/823500-37