As histórias são a ponte que liga o médico aos pacientes e os pacientes de volta ao médico.

Tenha bem guardado com você esse pensamento! Todo o resto deste artigo sobre Medicina Narrativa é uma consequência dele.

É só repensar e deduzir a partir desse pensamento básico, e você sempre terá à sua disposição algumas considerações para te inspirar.

No vídeo e no texto abaixo, você verá:

  • HISTÓRIAS: como compreender tantas histórias, de doença e de vida, que os pacientes nos contam. A literatura como ferramenta de conhecimento, empatia e motivação.
  • PONTE: barreiras e divisões entre médicos e pacientes que precisam ser ultrapassadas.
  • LIGAR: parceria entre médico e paciente. O médico como guia e o paciente como herói. A humanidade compartilhada. Humildade e aprendizado

Não deixe de conhecer no vídeo as cinco coisas que você ganha ao se envolver com as histórias.

Você vai encontrar também algumas dicas preciosas para ser um bom ouvinte!

O poder das histórias na Medicina

A minha própria história, na Medicina e na vida, me levou a refletir muito e a procurar recursos para me aproximar mais dos pacientes.

Hoje mesmo, no dia que escrevia este post, falei com uma senhora durante a sessão de hemodiálise. Algumas vezes ela já tinha me dito sentir-se frustrada por terminar a vida dessa maneira: em diálise, hemiplégica devido a um AVE e dependente dos outros.

Hoje, porém a história foi outra: queria terminar a vida como seu pai, sofrendo, mas lutando até o fim, “até quando Deus quiser”.

Agradeci-a pela história. Mais uma heroína sem nenhum brilho, que ninguém vê!

Medicina Narrativa

É normal nos focarmos, principalmente quando estudantes e no início da carreira, nos aspectos estritamente técnicos do que o paciente nos conta.

Mas, para tocar o lado humano, é preciso mais que isso. É por isso que, no vídeo, eu falo de compaixão e respeito, abertura e sensibilidade.

Você já sente a urgência em se relacionar e entender melhor os pacientes? Se não, é urgente que sinta.

Para isso, é bom ouvir as histórias deles e depois refletir sobre elas. Existe até uma disciplina que estuda o papel das histórias na Medicina: é a Medicina Narrativa.

Vou te pedir uma coisa bem fácil: converse, só por conversar, com um doente. Hospitalizado ou não. Convide-o a falar sobre a profissão, a família, o impacto da doença, como ele tem vivido.

Depois, reflita e tente interpretar as motivações e valores desse indivíduo. Imagine a rotina e os desafios que a vida e o problema médico impõem a ele.

Como a literatura pode ajudar?

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A literatura pode te ajudar muito a desenvolver essa habilidade. Os bons livros estimulam a imaginação e são ricos em detalhes. Descrevem o caráter dos personagens, sentimentos e reações.

E, além da narrativa (a história contada), sempre existe um tema. O tema é o que está por trás.

É o não alcançar a maturidade, no Peter Pan.

É a morte de si mesmo pelo egoísmo e pela vaidade, no Madame Bovary.

É o desconhecido e a superação do mal, no Senhor dos Anéis.

Ponte

Observe as barreiras existentes entre os pacientes e os médicos. Vou te dar alguns exemplos:

  • Você está saudável. Eles, não.
  • Você consegue explicar os motivos e a causalidade da doença. Eles, não.
  • Eles querem ser assegurados de que está tudo bem. O médico pede exames e só fala de incerteza.
  • Eles dependem do profissional médico e têm medo de contrariá-lo.
  • Os doentes precisam criar um sentido para seus sofrimentos, maior do que a simples fisiopatologia.

A linguagem dos leigos é diferente da nossa. Muitas vezes, os médicos se recusam a ouvir seus pensamentos e procuram estar sempre com a razão.

E o que dizer da mortalidade, da dor, dos conflitos de aceitação e rebeldia, das limitações causadas pela doença?

Pois bem, as histórias podem ser uma ponte sobre todas essas barreiras.

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Ao conhecer e interpretar as histórias dos nossos pacientes, conseguimos observar sua dignidade, sua honra, sua fraqueza.

Nos tornamos capazes de adentrar nesse mundo e perceber o que realmente está se passando.

Superamos as barreiras da expressão e da linguagem e passamos a entender o real clamor.

Aprendemos a tragédia humana de cair, levantar, chorar, resistir.

Já os pacientes, sabendo-se ouvidos, passam a falar melhor, a contar com nossa ajuda, a apropriar-se melhor da sua saúde/doença e a ficar mais ativos no cuidado de si mesmos.

É muito comum os pacientes ficarem ansiosos antes da consulta. Eles querem contar ao doutor ou à doutora como lidaram com a doença, a melhora que tiveram, e às vezes agradecer.

Ligação

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Paciente e médico devem estabelecer uma parceria no diagnóstico e no cuidado, o que só é possível se houver confiança.

A admiração e apreço para com as histórias de vida nos motivam a dar o melhor, a honrar os pacientes.

A humildade deve surgir ao chocarmos nossa boa vida com a dos outros que têm menos ou sofrem mais.

Sentir-se unido aos demais e partilhar a humanidade é ganhar sentido na sua vida. É transcender os limites do útil, do dinheiro, da carreira. É fazer parte de algo maior.

Moral da história

Eu disse à minha paciente da hemodiálise que eu a ajudaria, pois a vida é difícil.

A história dela me motivou. Não sei o quanto participei dessa resignação, ou melhor, dessa decisão dela de lutar até o fim. Mas quero participar a partir de agora.

Se você ouvir com atenção, as histórias irão mexer com você e te motivarão a viver e a cuidar melhor dos outros.

Eu espero ter sabedoria, humildade e delicadeza para tocar a vida dos outros, para ser guia em momentos difíceis.

Ser herói não é fácil. Mas essa é a nossa jornada!

Seja você mais um herói – e ajude seus pacientes com as suas próprias jornadas!

Autor: Fabrizio Almeida Prado

Você pode referenciar o artigo acima usando o Digital Object Identifier (Identificador de Objeto Digital) – DOI.

DOI: 10.29327/823500-55