Aprender raciocínio clínico, com certeza, é fundamental. Mas o raciocínio clínico não é nenhuma panaceia!
Não me entendam mal. Sou o maior defensor da educação médica através do raciocínio clínico. Mas lembremos que o raciocínio clínico é o meio através do qual as pessoas se tornam bons médicos.
O bom raciocínio clínico é constituído de um conjunto de fundamentos e traz consigo a necessidade constante de muita prática, pois se alimenta da experiência pessoal e profissional. Assim, devemos entender que o raciocínio clínico não é, por si só, a razão da formação de grandes médicos – mas, sim, a ferramenta para isso.
Imaginem uma criança aprendendo a andar de bicicleta. Não há exemplo melhor! No começo, ela precisa um apoio de um pai ou de uma mãe para os primeiros empurrões, uma rodinha auxiliar aqui e ali, um joelho escalavrado, um cotovelo raspado. Há a necessidade de um tempo de treinamento e de algumas experiências dolorosas, para depois podermos sentir as brisas refrescantes no rosto, cada vez mais fortes e estimulantes. Mas não há como aprender a andar de bicicleta sem treinar e sem ter experiências cada vez mais diversas e desafiadoras: um obstáculo, uma vala, uma rampa, uma lombada, um córrego, uma descidona, um subidão. Assim também acontece com o raciocínio clínico! Ninguém nasce sabendo; precisa prática. Uns ficam melhores que outros, e alguns (poucos) não aprendem nunca.
Só a experiência ensina; só o esforço constante e diverso aprimora. E aqui chegamos à importância crucial de “tocar fichas”, isto é, ver um número enorme e diverso de pacientes com humores, crenças, preconceitos, expectativas e esperanças diferentes. Não há diversidade maior do que numa Unidade Básica de Saúde. Pensem bem: quantos altos, baixos, magros, gordos, negros, brancos, índios, mestiços, heterossexuais, homossexuais, transgêneros, velhos, jovens, pobres, remediados, inteligentes, burros, agradáveis, chatos, agressivos, afetuosos e até indiferentes pacientes, uma médica poderia ver numa semana!
É como andar de bicicleta: muda o terreno, muda o clima, chove, faz frio, um calorão infernal, jardins maravilhosos, paisagens deslumbrantes, regiões perigosas… Mas se você praticou bastante e aprendeu nas mais diversas situações, você consegue andar de bicicleta em qualquer ambiente e com qualquer tempo.
Pois, então: aprender raciocínio clínico é como aprender a andar de bicicleta.
Dr. Lysandro Santos Lima, o pai do raciocínio clínico no Paraná, adorava discutir casos e examinar pacientes com os estudantes. Um belo dia, lá estava ele, na “sua” enfermaria, discutindo um caso com um estudante. A discussão estava indo bem até que o estudante, chatinho (sempre tem um), falou:
– Professor, o senhor examinou a paciente pelo lado esquerdo! Essa não é a norma!
– Pois é, meu amigo – respondeu o professor, puxando o cachimbo para o lado, com o sorrisinho cínico que lhe era peculiar – quando se sabe andar de bicicleta, de vez em quando podemos soltar as mãos!
Raciocinio clínico é como andar de bicicleta: aprendeu, não esquece mais!
Quem foi o Dr. Lysandro?
O Dr. Lysandro de Paula Santos Lima (1906-1982) foi um dos clínicos mais renomados do Paraná. Estudou na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, onde formou-se em 1929. Trabalhou por 15 anos na sua cidade natal, Rio Negro (PR), antes de mudar-se para Curitiba, onde trabalhou na Santa Casa de Misericórdia e, mais tarde, no Hospital Nossa Senhora das Graças e no Hospital das Clínicas da UFPR. Como catedrático da Clínica Médica, ajudou a formar um grande número de profissionais – inclusive o autor desta história!
Autor: Pedro Alejandro Gordan
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DOI: 10.29327/823500-31