Tudo começou exatamente no dia 11 de janeiro de 2019.
Eu sei disto por que foi o dia em que fiz 75 anos. Uma data como qualquer outra… só que não!
Na manhã seguinte, comecei a me sentir velho. Nada estava bom. Tinha dor em tudo, “coisa de velho”.
O professor Fernando, meu personal trainer, mudou as rotinas de alongamento após ter sido xingado e ofendido por mim. Que vergonha!
Do nada, surgiu uma dor articular e muscular no quadril que me impedia de levantar com a presteza que tinha sido um orgulho para mim.
Quase ao mesmo tempo, meu pescoço (curto, é verdade) ficou extremamente doloroso e não mexia o suficiente.
Experimente dirigir em Londrina sem virar o pescoço para a esquerda! Os carros sempre vêm da esquerda nesta cidade das rotatórias, pseudorrotatórias e minirrotatórias, produtos de pseudoprefeitos e miniprefeitos.
Isto posto, não achei que estava doente, mas sim velho! Autopreconceito.
Entre “ais” e “uis”, fiz uma viagem a Rondônia, para trabalhar no Centro Universitário São Lucas, onde sou orgulhosamente Professor Titular de Nefrologia, ajudado por paracetamol e carisoprodol, este último que me deixa bem atrapalhado.
Gritei para mim mesmo: “esta é a última! Não aguento mais o avião, o hotel e o trabalho.”
Diagnóstico, que é bom, nada!
Estou velho, e pronto.
Será que é doença?…
Pensar também nunca foi o meu forte, mas algo me dizia: “pode ser doença!”
Consultei informalmente todos os médicos da família (que não são poucos), inclusive minha mulher. Esta última, apesar de ser escritora e não entender nada de Medicina, já diagnostica até bem, por prestar muita atenção às conversas.
Síndrome paraneoplásica com manifestação articular foi a primeira hipótese, para começar pelo pior.
Toxoplasmose foi a seguinte, pela minha intimidade, quase marital, com dois gatos.
No fundo, me acendeu uma luz vermelha: pode ser polimialgia reumática!
Esta é uma doença de velho, tão misteriosa quanto a fibromialgia, mas que dá VHS aumentado. (Aliás, como qualquer doença…)
Essa hipótese rolou, mas não pegou. Só o meu filho mais velho deu uma de cirurgião e tacou corticoide, que não tomei.
Finalmente decidi ir a uma médica.
Sábia decisão!
Eu, paciente
Ir a qualquer médico aqui em Londrina causa muito constrangimento a eles, pois são na maioria ex-alunos. Me atender os apavora – muito menos pela autoridade do que pela minha língua ferina (reconheço).
Mas escolho bem, e conheço o povo.
A Dra. Cecília, agora Bazzo, antes Brunow, neta do Vander e sobrinha do Werther, ótimos médicos, fez a lição de casa direitinho.
Cuidou da história, do exame físico, tudo com extrema gentileza, cuidado e destreza.
Ao final, respirou fundo e disse:
– Doutor, o senhor provavelmente tem polimialgia reumática, mas tenho que checar umas coisinhas a mais.
Tudo dentro do padrão A+!
Onde errei?
– Em tudo! Você errou em tudo! – diz minha consciência crítica.
– Total falta de discernimento! Onde já se viu, ficar velho numa data precisa? A natureza não dá saltos!
Agora pense numa frustração: mentor do Raciocínio Clínico, escrevendo sobre maneiras de prevenir erros diagnósticos – e errando o próprio diagnóstico!
Ofendi o personal trainer por ter feito um erro diagnóstico baseado no efeito moldura: a dor articular piorou com a atividade física, então só pode ter sido causada por ela! Essas duas gostam de andar juntas – mas nem sempre.
Outro erro crasso: esqueci de cuidar de mim como eu cuidaria de qualquer paciente. A qualquer um que queixasse para mim dessa mesma dor, eu diria: “marque logo uma consulta com algum médico que entenda disso!” Eu, não: fiquei pedindo consultas “de corredor” a todos os médicos da família.
Também cometi o viés da atribuição fundamental: estou velho, então esta dor só pode ser “coisa de velho!”
Insisti e errei miseravelmente, e, para piorar as coisas, fechei o diagnóstico precocemente. Fui vítima do principal viés dos médicos: fechamento prematuro.
Tudo isso, sem falar em autocomiseração e, obviamente, má -educação e grosseria.
Cometi erros primários – e paguei a conta com muita dor e sofrimento moral.
Muito analgésico tomado, muitos lamentos desperdiçados e mal dirigidos…
O que eu poderia ter feito diferente?
Tivera eu o bom senso de googlar meus sintomas, vejam o que teria acontecido:
Em menos de um segundo de Googling for Diagnosis (em inglês) e lá estava o diagnóstico, nos dois primeiros sites pesquisados…
Um diagnóstico que, entre gemidos e blasfêmias, demorou 6 meses para ser feito!
Várias lições podem ser tiradas desta pequena história verdadeira:
- Um pouco de humildade e modéstia podem ajudar.
- Por mais que você tenha autoridade, você erra, e feio. To err is human!
- Consulte seus médicos. Parentes são para tomar cerveja e festar!
- Não atue como seu próprio médico ou de seus familiares.
Afinal, como já dizia outro velho médico:
Veja o que o professor José Fernando dos Santos, personal trainer do Dr. Pedro Gordan, achou dessa história verídica:
PARA SABER MAIS:
Diehl LA. Caso clínico 9: O médico parente. Blog Raciocínio Clínico, 2018.