O raciocínio clínico é fundamental para aprender e praticar Medicina, mas sua importância fica ainda mais evidente quando falamos de erros diagnósticos.

Erro Diagnóstico é a falha em:
1) estabelecer uma explicação adequada e no tempo certo para o problema do paciente, ou
2) comunicar essa explicação ao paciente.
(National Academy of Medicine)

Errar é ruim por vários motivos (custos, insatisfação, demora etc.) mas o principal são os danos causados ao paciente, que vão desde os leves até os mais graves, como deficiência permanente ou morte.

Danos por erros diagnósticos incluem os efeitos adversos resultantes de:
1) atraso ou falha em tratar uma condição presente, devido a um diagnóstico inicial incorreto ou desconhecido (falso negativo), ou
2) tratamento dado para uma condição que não estava presente, devido a um diagnóstico errado (falso positivo).

ERROS DIAGNÓSTICOS ACONTECEM

Lembremos que o processo diagnóstico é muito complexo, exigindo a integração de conhecimento, habilidades clínicas, processos de raciocínio, características do sistema e todo o contexto do encontro clínico (situatividade).

Além disso, há as características próprias da doença: sua história natural, frequência, variedade de manifestações e sutilezas.

Mas será que existe alguma doença, ou grupo de doenças, em que o risco de erros é maior – e por isso precisamos ficar mais atentos?

the big three - as três maiores causas de erros diagnósticos graves - raciocínio clínico - destaque

THE BIG THREE: as 3 maiores causas de erros diagnósticos

Os estudos sobre erros diagnósticos já identificaram lgumas doenças em que o risco de erros diagnósticos e danos aos pacientes é especialmente elevado. Em conjunto, elas são chamadas de The Big Three: as 3 maiores causas de erros diagnósticos graves.

São elas: as doenças neoplásicas, vasculares e infecciosas.

Cada uma delas inclui 5 representantes (veja na lista abaixo):

DOENÇAS NEOPLÁSICAS

  • Câncer de pulmão;
  • Câncer de mama;
  • Câncer de próstata;
  • Câncer colorretal;
  • Melanoma maligno.

DOENÇAS VASCULARES

  • Infarto agudo do miocárdio (IAM)
  • Acidente vascular encefálico (AVE);
  • Tromboembolismo venoso;
  • Tromboembolismo arterial (em particular, a isquemia mesentérica);
  • Aneurisma e dissecção de aorta.

DOENÇAS INFECCIOSAS

  • Sepse;
  • Meningite e encefalite;
  • Endocardite;
  • Abscesso epidural;
  • Pneumonia.

A seguir, compilamos alguns dados interessantes sobre erros diagnósticos e danos aos pacientes nessas doenças para que você fique mais atento ao estudar e, principalmente, ao investigar algum desses Big Three.

ADVERTÊNCIA!

Os dados que apresentamos aqui são, na maioria, de bases de dados norte-americanas. No entanto, embora no Brasil as estatísticas possam ser um pouco diferentes, não há motivo para crer que a validade clínica desses dados não se aplique também à nossa realidade.

PROCESSOS POR ERROS DIAGNÓSTICOS

Um primeiro estudo avaliou um grande registro de processos por má prática médica. Em 10 anos, houve cerca de 55 mil processos, 22 mil envolvendo danos graves (deficiência permanente ou morte) e 11.500 por erros diagnósticos. Nesta casuística, os erros diagnósticos foram a terceira maior causa de processos contra médicos.

Veja abaixo o resumo dos dados desse estudo:

big three frequencias de danos em processos raciocinio clinico

Em conjunto, as doenças incluídas nas Big Three foram responsáveis por:

  • 62% dos processos envolvendo erros diagnósticos;
  • 75% dos danos graves indicados nesses processos.

Isso significa que as Big Three, além de muito frequentes, causaram muito dano.

ORIGENS DOS ERROS DIAGNÓSTICOS

Precisamos estar mais preparados para lidar com as Big Three de uma forma que seja mais segura para nossos pacientes. Para isso, ajuda muito entender de onde se originaram os erros nessas doenças. Será que foram erros do sistema, ou erros do julgamento clínico?

O que se observou foi que, entre os casos de erros diagnósticos que se associaram a danos graves para os pacientes, a imensa maioria (97,5%) teve fatores causais identificáveis (uma média de 3,7 fatores por caso).

Alguma falha no julgamento clínico esteve presente em 85% dos casos (correspondendo a 60% de todas as causas específicas).

As falhas no raciocínio clínico foram divididas em 5 tipos:

  • Falha ou atraso em solicitar um teste diagnóstico
  • Falha em estabelecer um diagnóstico diferencial
  • Falha em considerar ou integrar sinais, sintomas e exames relevantes
  • Falha ou atraso em obter opinião ou consulta de especialista
  • Interpretação errônea de testes diagnósticos (radiologia, patologia)

Outros causas de erros que também estiveram presentes, em menor proporção, foram os erros de comunicação (presentes em 35%) e os erros de sistema (identificados em 22% dos processos).

FREQUÊNCIA DE ERROS DIAGNÓSTICOS

Veja abaixo o percentual relativo de cada uma das 3 grandes causas de erros diagnósticos e suas respectivas condições, nesse levantamento sobre processos:

DOENÇAS NEOPLÁSICAS: 38%

  • Câncer de pulmão: 17%;
  • Câncer de mama: 16%;
  • Câncer de próstata: 5%;
  • Câncer colorretal: 12%;
  • Melanoma maligno: 5%;
  • Outras: 45%.

DOENÇAS VASCULARES: 23%

  • Infarto agudo do miocárdio (IAM): 22%;
  • Acidente vascular encefálico (AVE): 25%;
  • Tromboembolismo venoso: 14%;
  • Tromboembolismo arterial (em particular, a isquemia mesentérica): 7%;
  • Aneurisma e dissecção de aorta: 12%;
  • Outras: 20%.

DOENÇAS INFECCIOSAS: 13%

  • Sepse: 18%;
  • Meningite e encefalite: 14%;
  • Endocardite: 6%;
  • Abscesso epidural: 13%;
  • Pneumonia: 10%;
  • Outras: 39%. 

OUTROS: 26%

Vale lembrar que estes são dados de uma base de processos médicos e não mostram a incidência geral de erros na prática médica como um todo. No entanto, os dados ajudam a avaliar a importância relativa de cada uma das doenças.

REVISÃO DE LITERATURA

Na busca pela real incidência de erros diagnósticos nos 3 grandes grupos de doenças que compõem as Big Three na prática médica real (não apenas nos casos que geraram processos na justiça), foi realizada uma grande revisão das pesquisas específicas sobre esse assunto, incluindo metanálises. Além disso, 25 especialistas deram seus pareceres pessoais sobre a plausibilidade dos achados.

Neste outro grande levantamento, observou-se que as taxas de ocorrência de erros diagnósticos nas doenças avaliadas variaram de 2,2% a 62,1%.

Abaixo, apresentamos as taxas de erro para as doenças individuais dentro das Big Three, bem como a frequência de danos graves associados a esses erros:

big three - frequencia de erros e danos nas doenças - raciocínio clínico

Quando olhei de perto esses dados, achei-os meio assustadores. Podemos dizer que, em média, ocorrem cerca de 10% de erros diagnósticos nessas doenças, e que cerca de 50% dos erros se associam a danos graves aos pacientes!

É possível acertar 100% dos diagnósticos?

Não – e talvez isso não seja nem desejável.

Estranhou esta afirmação?

Então reflita conosco: para buscar esses 100% de acerto diagnóstico, seriam necessárias tantas intervenções e exames complementares que isso traria um ônus imenso ao sistema – e poderia causar mais atrasos, erros e danos decorrentes de falsos-positivos dos testes ou overdiagnosis.

Portanto, na prática, não há como reduzir o risco de erros diagnósticos para zero.

O que temos que buscar é a redução parcial dos erros diagnósticos para limites alcançáveis e mais baixos – por exemplo, 1% de erro no pronto-socorro. Mas esses são limites que ainda precisam ser melhor estudados e definidos.

Outra meta que talvez seja mais concreta e alcançável é a redução dos danos causados por erros. Afinal, erros diagnósticos vão sempre ocorrer (por características intrínsecas ao funcionamento da nossa mente). No entanto, se criarmos mecanismos que previnam que esses erros se traduzam em danos aos nossos pacientes, já estaremos dando um grande passo para aumentar a segurança da nossa assistência à saúde!

CONCLUSÕES

As Big Three são três grandes grupos de doenças em que ocorrem mais da metade dos erros diagnósticos e dos danos associados a erros. 

Nessas doenças, podemos esperar que pelo menos 1 em cada 10 pacientes acabe sendo vítima de um erro diagnóstico – e, destes, 50% cursarão com morte ou incapacidade permanente decorrente do erro. 

Embora seja irreal esperar que possamos prevenir 100% dos erros, é um imperativo ético e moral da nossa profissão buscar uma redução gradual dos erros e, mais importante, criar mecanismos para prevenir danos decorrentes desses erros.

PARA SABER MAIS: