Todos queremos ser bons médicos. Para isso, precisamos cuidar bem dos pacientes que nos procuram para obter as explicações e o tratamento para seus sintomas – e isso exige, obrigatoriamente, que façamos diagnósticos corretos. Por isso, é importante entender por que ocorrem erros diagnósticos

Na busca pelo diagnóstico, dependemos, até certo ponto, de uma gama de conhecimentos e aptidões. Daí a importância do conhecimento e da ciência médica, que cultivamos por meio do estudo e do acúmulo deliberado de experiências.

Além do nosso conhecimento e preparo, outra pedra fundamental do diagnóstico é a construção de uma história clínica adequada e completa, incluindo a realização de um exame físico completo e acurado. Para isso, precisamos de semiotécnica, habilidades de comunicação, percepção, sagacidade, inteligência emocional.

A integração de todas essas informações e a formulação de hipóteses diagnósticas são as últimas etapas, dentro do processo de raciocínio diagnóstico, antes de propormos uma maior investigação ou um plano terapêutico.

E tudo isso ocorre dentro de um ambiente de atenção à saúde, que pode ser conturbado como um pronto-socorro, ou tranquilo como em uma consulta agendada. Em todos esses locais, o médico necessita do know-how para atuar naquele ambiente específico, o que inclui saber lidar com fatores estruturais (físicos), disponibilidade (ou carência) de recursos diagnósticos e terapêuticos, a cultura organizacional local, dentre outros.

Complicado? Claro que é! Fazer diagnósticos é uma das atividades mais difíceis que um ser humano pode executar. Infelizmente, erros podem acontecer em qualquer uma das etapas dos processos mentais de raciocínio clínico diagnóstico.

Nos próximos parágrafos, vamos estudar mais a fundo onde, quando e por que ocorrem os erros de diagnóstico. 

o que são erros diagnósticos?

Erro diagnóstico não é a mesma coisa que erro médico.

O Código de Ética Médica, por exemplo, afirma que: erro médico é todo erro que resulte em algum dano causado ao paciente, por ação ou omissão, decorrente de imperícia, imprudência ou negligência na atuação médica”.

erro diagnóstico, de acordo com a definição proposta pela Society to Improve Diagnosis in Medicine (SIDM), é:

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qualquer diagnóstico errado, indevidamente atrasado, ou perdido ( não realizado ).

É importante frisar que a ocorrência de um erro diagnóstico não implica que tenha havido, necessariamente, imperícia, imprudência ou negligência por parte do médico. Até mesmo médicos competentes, cuidadosos e muito bem-intencionados podem errar!

Além disso, nem todo erro diagnóstico resulta em dano ao paciente – mas mesmo assim, julgamos que todos os erros diagnósticos merecem ser estudados, para que sejam encontradas maneiras de preveni-los, tornando assim a assistência à saúde mais segura para os pacientes!

Qual a importância dos erros diagnósticos?

Os erros diagnósticos são um tema importante, com grande impacto social. Para começo de conversa, erros são comuns. Uma estimativa é que os diagnósticos feitos por médicos estejam errados em cerca de 10 a 15% das vezes!

No entanto, apesar da sua importância, esse assunto tem recebido muito pouca atenção. Muitos médicos ainda ficam inseguros ou temerosos de discutir esse assunto abertamente (e muitos nunca ficam sabendo que erraram).

Mesmo assim, ocorreu um aumento importante no número de publicações a respeito dos erros diagnósticos nas últimas décadas.

Os dados que temos sobre erros diagnósticos provêm de vários tipos de estudo, tais como: análise retrospectiva de prontuários, revisão de autópsias, relatos voluntários, entrevistas e questionários, ou análises de processos legais.

A frequência de erro varia bastante, de acordo com o tipo de problema clínico e o local da análise. Os diagnósticos podem estar errados em até 50% das vezes, por exemplo, quando se trata de pacientes que procuram um pronto-socorro com queixas inespecíficas.

As consequências desses erros são as mais diversas. Muitas vezes os danos ao paciente são inexistentes ou pequenos; em outras, os erros podem acarretar mais sofrimento, custos ou maior tempo de internação.

Mas é importante lembrar que cerca de 50% dos erros diagnósticos tem potencial de danos graves ao paciente, e em torno de 10% resultam em morte.

ninguém erra porque quer!

Todos nós atuamos, em primeiro lugar, tentando ajudar nossos pacientes. Para isso, precisamos, antes de mais nada, fazer o diagnóstico correto, pois só então poderemos instituir o tratamento mais acertado!

É exatamente aí que reside a importância de se conhecer a fundo os erros diagnósticos. 

Se soubermos quais são as causas, situações e condições clínicas mais associadas ao erro, poderemos então tomar medidas para errar menos. Acertando mais, estaremos fornecendo um melhor cuidado – em outras palavras, nos tornaremos médicos melhores!

Queremos deixar bem claro: ao discutir erros diagnósticos, pouco importa apontar culpados! Já que cometer erros faz parte da natureza humana, até mesmo médicos bem formados e bem intencionados podem errar. A verdade é que todos erramos, em maior ou menor proporção!

Logo, o que mais importa é entender as situações e processos que levam a erros, para que possamos tomar medidas para preveni-los!

ao invés de saber quem errou, precisamos entender por que erramos.

Existem, por exemplo, algumas doenças ou sintomas que são mais frequentemente associadas a erro. Se o médico souber quais são as doenças em que mais se cometem erros, ele pode tomar um cuidado extra para prevenir erros quando atender um paciente com essas condições.

Veremos quais as doenças e sintomas mais frequentemente associados a erros diagnósticos no próximo tópico.

onde ocorrem mais erros diagnósticos?

Os locais ou especialidades onde é mais comum a ocorrência de erros diagnósticos são:
  • os pronto-atendimentos e pronto-socorros (PS), ou seja, a medicina de urgência/emergência;
  • a atenção primária à saúde (APS), ou seja, a medicina de família e comunidade;
  • os pacientes hospitalizados em enfermarias de clínica geral, ou seja, a medicina interna.

quais as doenças ou sintomas mais associados com erros diagnósticos?

Quais são os tipos de erros diagnósticos?

De forma geral, a análise das causas do erro diagnóstico revela três grandes grupos de causas de erro:

1) Erros sem culpa (situações em que o erro é inevitável, geralmente devido a apresentações atípicas de doença. Exemplo: dengue sem febre);

2) Erros relacionados ao sistema (situações em que o erro se deve a uma falha nos processos da instituição onde o médico atua. Exemplo: troca de exames laboratoriais);

3) Erros cognitivos (situações em que o erro se deve a alguma falha no processo de raciocínio do médico. Exemplo: erro na interpretação de um teste diagnóstico).

Desses três grandes grupos de causas de erro, o que causa maior número de erros diagnósticos na vida real é o grupo dos erros cognitivos, que inclui todas as possíveis falhas nos processos de raciocínio clínico do médico.

Um estudo esclarecedor publicado pelo Dr. Mark Graber, em 2005, analisou vários casos de erros diagnósticos e chegou a duas conclusões importantes:

1) a maioria dos diagnósticos errados envolve mais de um erro – neste estudo, observou-se uma média de 6 erros por paciente com diagnóstico errado;

2) os erros cognitivos foram a fonte mais importante de erro: neste estudo, em 75% dos casos houve a presença de erro cognitivo. O erro cognitivo ocorreu isoladamente em 28% dos casos, ou associado a um erro relacionado ao sistema (em 46%).

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Outros estudos acharam dados semelhantes, evidenciando a grande importância dos erros cognitivos (ou seja, das falhas no processo de raciocínio clínico do médico) como fonte de erros diagnósticos.

QUAIS AS MAIORES CAUSAS DE ERRO, DE ACORDO COM O LOCAL?

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em quais etapas do processo diagnóstico ocorrem erros?

Os erros cognitivos podem acontecer por falhas em qualquer um dos três elementos-chave que constituem os três pilares do diagnóstico correto:

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Para entender melhor as causas de erros cognitivos, precisamos ir além e estudar com mais detalhes as etapas do processo diagnóstico.

As etapas do processo diagnóstico são uma representação, em ordem cronológica, dos passos que o médico dá desde a chegada e apresentação do paciente no serviço de saúde até o acompanhamento terapêutico do mesmo:

A partir do conhecimento dessas etapas, poderemos começar a discutir, adiante, quais são os principais tipos de erros cognitivos, como ocorrem, em que etapa ocorrem, e, futuramente, como preveni-los.

tipos de erros cognitivos:

1. Erros no conhecimento das doenças

Muitos acham que a principal causa de erros está em não conhecer uma doença. Na realidade, porém, este tipo de erro ocorre pouco.

O erro devido ao desconhecimento de uma doença ocorre principalmente com doenças raras (que são raras), ou em manifestações incomuns (atípicas) de doenças mais comuns. Desse modo, alguns destes erros podem até ser classificados como “erros sem culpa”, já que seria razoável considerar que um médico mediano, trabalhando em condições habituais, em um tempo normal de trabalho, realmente não conseguiria diagnosticar manifestações raras ou muito atípicas.

Além disso, a maioria dos médicos costuma trabalhar nas suas áreas de conforto, ou seja, em locais ou especialidades (ou subespecialidades) em que tem maior conhecimento e segurança, o que diminui sua chance de erro nessas condições.

2. Erros na coleta de dados

Grande parte dos erros ocorre no encontro médico-paciente, ou seja, nas etapas 2, 3 e 5 do processo diagnóstico (vide quadro acima).

A esse respeito, chamam muito a atenção os achados de um estudo que avaliou as causas de erro diagnóstico na Atenção Primária à Saúde (Singh et al., 2013). Nesse estudo, em quase 80% dos casos de erro, foram observados erros cognitivos relacionados à coleta e síntese de informações.

Ou seja: houve falha em um ou mais dos seguintes passos:

  • História médica,
  • Exame físico,
  • Solicitação de exames para investigação,
  • Revisão do prontuário.

Isto quer dizer que as etapas básicas da avaliação do paciente não foram realizadas de maneira adequada.

Impressionantemente, em 80% desses casos não houve nenhuma anotação de diagnóstico diferencial!

Um outro estudo analisou 583 casos de erros diagnósticos relatados por médicos (Schiff et al., 2009). Neste estudo, em cerca de 20% dos casos, houve alguma falha ou atraso em esclarecer um aspecto crucial da história ou do exame físico, ou em dar o devido valor aos achados. Também observou-se falha ou atraso em cerca de 10% das solicitações de exames complementares.

3. erros no processo de raciocínio

Estes são erros que envolvem a síntese dos dados e a elaboração de hipóteses, ou seja, os próprios processos cognitivos que levam ao diagnóstico ou às hipóteses diagnósticas mais prováveis.

De modo geral, a estrutura do processo mental de raciocínio clínico diagnóstico está ilustrada na figura abaixo.

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Dentro da estrutura do raciocínio clínico, os erros cognitivos de raciocínio ocorrem por falhas ou erros envolvendo:

  • Entendimento ou resumo (representação) do problema
  • Geração de hipóteses
  • Seleção de scripts de doenças

Previamente, falamos dos dois sistemas mentais envolvidos no RC:

Pelas suas características, o Sistema 1 está sujeito a erros sistemáticos por interferências no seu funcionamento. Este sistema pode, então, identificar padrões errados ou não coerentes com a doença do paciente. O caráter automático, sem esforço e não-analítico do Sistema 1 o torna suscetível a diversas influências externas (cansaço, stress, falta de tempo, emoções), que podem alterar a acurácia e fidedignidade do reconhecimento de padrões.

Sistema 2, por outro lado, é lento, deliberado, analítico e precisa de esforço e atenção, podendo inclusive ajustar o Sistema 1 quando este está errado ou incerto, ou fornecer novas hipóteses se o Sistema 1 é insuficiente. No entanto, mesmo o Sistema 2 está sujeito a erro, por características inerentes à mente humana que “puxam” nosso raciocínio sistematicamente para um lado ou para o outro.

Essas interferências no raciocínio, causadas por características intrínsecas da mente humana, são conhecidas como vieses. (Veja também nosso artigo sobre vieses cognitivos.)

Os vieses podem afetar o pensamento tanto no reconhecimento de padrões (Sistema 1) como no processo mais elaborado do Sistema 2. Atualmente, conhecemos vários tipos de vieses, e a boa notícia é que há modos de reconhecê-los e lidar com eles, (Veja o artigo sobre estratégias antivieses.)

Na pesquisa clássica de Graber et al. (2005), a análise dos erros mostrou que a causa mais comum de erro cognitivo foi um viés denominado fechamento prematuro. Esse viés ocorre pela tendência de acreditar excessivamente em uma primeira impressão ou no primeiro padrão reconhecido.

Todos temos uma inclinação a buscar rapidamente uma explicação que nos satisfaça. Uma vez encontrada uma primeira explicação razoavelmente convincente, podemos parar de buscar outras explicações, parar de buscar informações adicionais e até ignorar achados que refutem a nossa primeira hipótese.

Desse modo, um diagnóstico final – errado – acaba sendo aceito sem a presença de todos os dados, numa etapa muito precoce do processo diagnóstico.

Caso haja consciência da influência desse viés, o médico pode se tornar mais atento à possibilidade de outras hipóteses diagnósticas alternativas, ou pode buscar e analisar com mais profundidade os dados em busca de informações completas ou discordantes.

dica: sempre pergunte-se "o que mais pode ser?"

Outro dado interessante dessa mesma pesquisa foi o achado de erros que comumente ocorrem associados, ou seja, de combinações (clusters) de erros.

Três conjuntos de erros foram os mais frequentes:

1. História/exame físico incompletos ou falhos + não considerar diagnóstico correto + fechamento prematuro

2. Coleta dados incompleta + viés para uma única explicação + fechamento prematuro

3. Subestimar a utilidade de um achado + fechamento prematuro + falha em consultar especialista correto

Erros relacionados ao sistema

Estes erros são aqueles que decorrem de limitações ou falhas no sistema de saúde, que vão de defeitos técnicos em aparelhos laboratoriais à ausência de especialistas para avaliação mais adequada. Eles revelam uma vulnerabilidade organizacional ao erro, que deve ser reconhecida e corrigida.

Os erros relacionados ao sistema são responsáveis por uma parcela significativa dos erros diagnósticos, e podem facilitar a ocorrência de erros cognitivos.

Podemos classificar os erros relacionados ao sistema de acordo com a etapa do processo diagnóstico em que ocorrem:

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A estrutura adequada para um atendimento e acompanhamento primoroso dos pacientes deve ser preocupação de todos: gestores de instituições e sistemas de saúde, médicos, enfermagem, inclusive o público e os próprios pacientes. Estes últimos, inclusive, podem participar no processo de segurança por meio da notificação de erros, da análise criteriosa do cuidado recebido, e do fornecimento de informações adequadas.

Cada dia se torna mais comum o surgimento de núcleos de segurança do paciente em instituições hospitalares, que se encarregam de garantir meios para notificação dos erros, além de avaliar os erros e de oferecer ações de correção, treinamento e conscientização.

Como médicos, não podemos ser ingênuos a ponto de acreditar que os sistemas são perfeitos e que mantém as coisas andando da maneira certa. Precisamos estar atentos e conhecer o local que trabalhamos, identificar suas limitações e fontes de erro, e procurar agir de maneira proativa para evitar e notificar esses erros.

Os médicos que atuam em consultório também podem buscar maneiras para evitar erros no diagnóstico, como: manter a agenda sempre aberta para eventuais pacientes que precisem de consultas urgentes; ter meios de cobrar resultados de exames cruciais junto aos laboratórios; garantir o retorno do resultado de exames para os pacientes; garantir a reavaliação sistemática dos pacientes, entre outros.

Conclusões

Como vimos, as clássicas bases do diagnóstico – história e exame físico – são fundamentais para se fazer um bom diagnóstico, mas também são as etapas onde mais ocorrem erros diagnósticos.

fechamento prematuro, uma das causas mais comuns de erro, é um viés cognitivo que nos faz aceitar um diagnóstico de maneira muito precoce, sem a presença de todos os dados relevantes.

diagnóstico diferencial, ou seja, a geração de várias hipóteses diagnósticas, é uma estratégia fundamental (mas frequentemente omitida) para se combater esse viés.

Além disso, erros relacionados ao sistema também são bastante frequentes – por isso, conheça as limitações da instituição onde você trabalha.

Fique atento, e seja proativo na prevenção identificação de erros!

Seus pacientes, com certeza, agradecerão.

Para saber mais:

Graber NL, Franklin N, Gordon R. Diagnostic error in internal medicine. Arch Intern Med. 2005;165(13):1493-1499.

Schiff GD et al. Diagnostic error in medicine: analysis of 583 physician-reported errors. Arch Intern Med. 2009;169(20):1881-1887.

Graber ML. The incidence of diagnostic error in medicine. BMJ Qual Saf. 2013;Suppl 2:ii21-ii27.

Singh H et al. Types and origins of diagnostic errors in primary care settings. JAMA Intern Med. 2013;173(6):418-25.

Autores:

  • Fabrizio Almeida Prado
  • Leandro Arthur Diehl
  • Pedro Alejandro Gordan

Você pode referenciar o artigo acima usando o Digital Object Identifier (Identificador de Objeto Digital) – DOI.

DOI: 10.29327/823500-80