Você já ouviu falar em scripts de doenças? Sabe do que se trata? Nossos editores prepararam um vídeo para explicar o que são os scripts.
Confira o vídeo e, caso queira aprender mais, leia também o texto, logo abaixo!
Uma mulher de 55 anos procura atendimento devido a dispneia há 3 dias. Refere tosse seca e nega febre.
O médico pensa em pneumonia, pelos sintomas e tempo de evolução, mas também considera tromboembolismo pulmonar (TEP), pois os sintomas surgiram abruptamente após uma longa viagem de ônibus.
Considerando e comparando as características dessas doenças, o médico investiga e chega ao diagnóstico verdadeiro.
Como ele memorizou essas doenças, para poder compará-las? Como os médicos armazenam as características das doenças na memória?
É O QUE VEREMOS ADIANTE!
Scripts de doenças
O processo diagnóstico está no cerne da prática médica. Nenhuma atitude pode ser tomada e nenhum procedimento pode ser realizado, mesmo na emergência, sem que se saiba usar os seus princípiois.
No âmago do processo diagnóstico, estão os scripts das doenças.
Os scripts das doenças são as informações que estão armazenadas na memória de longo prazo e ordenadas de forma que o médico pode acessá-las, mesmo intuitivamente, quando ativados.
Mas por que usar a palavra “script”, em inglês, em vez de “roteiro”, em português?
Embora as duas palavras tenham significados semelhantes, o termo script é o usado no estudo do raciocínio clínico, de maneira universal e inequívoca. Um script de doença é diferente de um roteiro de teatro ou cinema, pois este é uma linha mestra da qual o artista não pode se afastar muito. Já os scripts das doenças são flexíveis, pois as doenças podem manifestar-se de diferentes formas e seguir vários cursos na sua evolução.
O que são os scripts das doenças?
Quando estudantes ou médicos são expostos repetidamente a casos reais, eles desenvolvem, até de maneira intuitiva, uma percepção dos padrões das doenças. Esse “padrão mental” para cada doença vai sendo progressivamente refinado, conforme o médico vai observando mais e mais casos, em uma ampla variedade de situações (observadas ou estudadas).
Isso dá origem aos scripts das doenças.
Os scripts são uma forma estruturada de guardar detalhes de uma doença na memória de longo prazo.
Eles dependem das experiências profissionais, dos conhecimentos prévios e, principalmente, da maneira como o médico organiza sua base de conhecimentos.
Quando, mais tarde, o médico atende um paciente que tem características semelhantes ao de um script de doença guardado na sua memória, então esse script é ativado. Isso significa que o médico traz esse script, que estava armazenado na sua memória de longo prazo, para sua memória de curto prazo (a “memória de trabalho”).
(CLIQUE AQUI para ler mais sobre a memória de longo prazo e a memória de curto prazo.)
Scripts podem ser ativados por estímulos originados da história, do exame físico do paciente, de exames complementares ou de “dicas” obtidas através da simples observação.
Se as informações clínicas do paciente correspondem razoavelmente a um determinado script de doença, então o médico faz o diagnóstico rapidamente, sem muita dificuldade.
Essa é uma das principais características de um médico expert: ter muitos scripts!
Quanto mais pacientes você vê e quanto mais scripts você constrói, mais fáceis (e mais acurados) vão ficando seus diagnósticos.
Como são construídos os scripts?
Habitualmente, a maioria dos médicos constrói seus scripts das doenças a partir das suas vivências clínicas (atendendo pacientes de verdade), embora eles também possam ter contribuição do estudo (de doenças ou de relatos de casos).
Neste post, vamos ensinar como criar mentalmente os seus scripts, mesmo que você ainda esteja começando a faculdade e não tenha muita vivência clínica.
No final, você ainda poderá baixar um modelo que preparamos especialmente para você tomar notas sobre doenças e começar a montar seus próprios scripts!
O que está contido nos scripts das doenças?
Os scripts são constituídos de várias informações sobre as doenças. As informações essenciais estão contidas no próprio nome – SCRIPTS! Veja abaixo:
S – Sinais e sintomas (inclusive variantes mais comuns);
C – Começo e Curso (início súbito ou insidioso, tempo de aparecimento, tempo de evolução);
R – Relações epidemiológicas (frequência, pacientes mais acometidos, fatores de risco);
I – Integração fisiopatológica (mecanismos da doença);
P – Prognóstico;
T – Tratamento;
S – Seguimento (exames para confirmação, estadiamento ou acompanhamento).
Estas são as informações básicas que costumam estar contidas em qualquer script, mas pode haver outras, a depender das características da doença.
Um exemplo de script
Veja este exemplo prático do script mais simples que pudemos encontrar, de conhecimento universal: o resfriado comum.
Sinais e sintomas
Congestão nasal, coriza, odinofagia, lacrimejamento, cefaleia, tosse seca, mal-estar;
Começo e Curso
Início agudo, latência de poucos dias, melhora em 7-10 dias;
Relações epidemiológicas
Comum, aparecimento preferencial no inverno, afetando várias pessoas próximas (contagioso);
Integração fisiopatológica
Infecção viral, processo inflamatório de vias aéreas superiores;
Prognóstico
Geralmente benigno, autolimitado;
Tratamento
Repouso, medidas gerais, medicações sintomáticas;
Seguimento
Sem necessidade de exames complementares, cura espontânea.
Características dos scripts
Uma característica importante dos scripts é que são individuais. Cada médico constrói e refina seus próprios scripts, desde os estudantes até os médicos experientes.
Além disso, os scripts são plásticos: modificam-se à medida que o médico adquire experiência clínica, vendo e examinando muitos pacientes.
Outras características importantes dos scripts são as seguintes:
São armazenados como se fossem pacotes de dados;
Permitem reconhecer padrões;
Identificam similaridades e diferenças;
Podem ser comparados e contrastados entre si;
O diagnóstico (ou o diagnóstico diferencial adequado) é aquele que “bate” ou que se encaixa no script.
Muitos dados ou manifestações (sinais, sintomas etc.) podem ser comuns a vários scripts, salvo quando são únicos ou patognomônicos de uma doença. Embora algumas manifestações sejam coincidentes, sempre haverá informações específicas que ajudarão a caracterizar uma determinada doença e a diferenciará de outras.
É importante ressaltar que construir scripts não se trata de fazer uma simples lista de sintomas ou sinais (como trazem os livros), mas sim de formar uma rede de conhecimento, durante o treinamento e a prática médica, para ajudar a definir não só o diagnóstico, mas também a conduta a ser tomada e o prognóstico provável do paciente.
Como usar os scripts?
Os scripts podem ser ativados de maneira rápida, intuitiva e subconsciente por uma ampla gama de “dicas”, que vão desde o aspecto físico do paciente, ou suas queixas, até o ambiente de atendimento (contexto).
Veja outro exemplo: uma paciente jovem vai ao consultório médico queixando-se de dores articulares generalizadas. O médico, subconscientemente, pode ativar o script correspondente a lúpus eritematoso sistêmico (LES) e passar a prestar atenção em detalhes como anemia, febre, alopecia, eritema malar… Porém, durante a anamnese, podem surgir dados epidemiológicos de contato com Aedes aegypti. Essa dica leva à ativação de um novo script (Chikungunya) e o médico começa a procurar dados para confirmar ou refutar essa segunda possibilidade.
Assim também pode acontecer com scripts de várias outras doenças, que vão sendo ativados por dicas que surgem na anamnese ou exame físico. Finalmente, o médico vai ter uma pequena lista de scripts que foram ativados – ou seja, trazidos para a memória de curto prazo.
Nesse momento, ele precisará comparar e contrastar esses scripts entre si e com os dados do paciente. Isso leva à formulação das hipóteses diagnósticas, ordenadas da maior para a menor probabilidade. Se o médico já se sentir razoavelmente seguro do diagnóstico, poderá sugerir um tratamento. Se ainda tiver dúvidas entre duas ou mais hipóteses, poderá coletar mais dados ou solicitar exames complementares que ajudem a elucidar a questão.
Quando o médico terminar esta consulta, todos os scripts que haviam sido ativados (trazidos para a memória de curto prazo) são desativados (devolvidos para a memória de longo prazo).
Em seguida, ele vai atender outro paciente, e as novas dicas da história clínica permitirão que outros scripts específicos sejam ativados, sem que estes tenham qualquer relação com os anteriores.
Como aprender scripts das doenças?
Não existe mágica neste processo. Não dá para simplesmente transferir scripts de doenças do professor ao aprendiz. Cada um precisa construir os seus próprios scripts!
Discussões de casos clínicos reais, completos e bem documentados, introduzidos precocemente nos cursos de Medicina, são boas formas de promover a integração básico-clínica e clínico-clínica. Essas discussões certamente substituiriam, com grandes vantagens, os “problemas do PBL“, excessivamente artificiais, superficiais e desmotivadores.
Por essas e outra razões, acreditamos que é fundamental existir uma Introdução ao Raciocínio Clínico desde o primeiro dia do Curso! Esse tipo de atividade tem a vantagem de agregar motivação às atividades, além de possibilitar o aprendizado dos assuntos do curso diretamente no formato em que esses conhecimentos serão usados na prática clínica: na forma de scripts.
Outras formas de adquirir conhecimento clínico para gerar scripts, enquanto estudante, são:
1) participando ativamente do atendimento de pacientes desde o início do Curso de Medicina (como atividade curricular, ou na forma de estágios voluntários ou atividades de Ligas Acadêmicas);
2) através da experiência pessoal (o estudante, ou alguém próximo, ter sido acometido pela doença).
Finalmente, muitos scripts de doenças são adquiridos através de treinamento teórico-prático prévio, ainda no Ensino Médio ou cursinhos pré-vestibulares, principalmente em Biologia. Quem não lembra da aula sobre o ciclo biológico do Schistosoma mansoni?
Esse conhecimento prévio do estudante recentemente admitido no curso de Medicina é que pode permitir a introdução precoce da lógica do raciocínio clínico, facilitando que ele crie estruturas mentais adequadas para organizar seus conhecimentos, percebendo as relações entre as disciplinas de modo objetivo e integrado. Isto se obtém com a prática médica deliberada já no primeiro ano do curso, em ambulatórios criados para tal, e com outras técnicas, como a autoexplicação, quando se pede para um aluno dar sua explicação sobre os achados clínicos de um caso e sua interpretação do diagnóstico. Pode-se também solicitar ao aluno que “pense alto” sobre cada etapa do seu raciocínio, e neste momento mostrar-lhe quando e como usar scripts para ordenar o seu conhecimento e armazená-lo com eficiência.
Por: Milena Peteck Olivastro
Como estudante, compreendo a dificuldade que é memorizar o script de uma doença. É muito simples ler sobre determinada patologia e gravar seus principais pontos. Já reconhecer esses mesmos pontos em um paciente – e trazer à tona os pontos que ainda não estão totalmente claros – é um processo muito mais árduo e, às vezes, até mesmo frustrante. Ainda bem que, como quase todas as habilidades da Medicina, você pode se tornar cada vez melhor com treino, dedicação e muita perseverança.
Uma sugestão é montar seus próprios scripts. É importante, primeiramente, ter uma visão geral da doença em questão. Estude-a, depois parta para a montagem do script.
Cada pessoa tem seu jeito próprio de elaborar scripts, mas seguem algumas dicas que tornarão esse processo mais fácil:
1) Siga uma ordem lógica de dados: isso facilita o seu raciocínio e a memorização. É muito mais fácil lembrar dos exames a serem pedidos se você entender bem a fisiopatologia.
2) Use tópicos e palavras-chave: eles são muito mais fáceis de guardar do que textos explicativos.
3) Ressalte os itens mais importantes ou que você tem maior dificuldade para lembrar.
O script pode ser feito no tablet, no computador – em programas de edição de imagens, ou no PowerPoint mesmo – ou até mesmo à mão. Cabe a você escolher.
Uma última dica para dar um boost no seu script (e no seu conhecimento) é associar com um caso clínico! Vale inventar o seu próprio ou sair à procura de um paciente no ambulatório ou no hospital.
O uso dos scripts facilita muito a nossa vida; contudo, é importante atenção para não sucumbirmos aos perigosos vieses.
Sobre nossa colaboradora:
Milena Peteck Olivastro é estudante do quinto ano de Medicina na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e amante da arte médica.
BÔNUS: baixe um modelo para começar já a construir seus SCRIPTS!
PARA SABER MAIS:
Charlin B, Tardif J, Boshuizen H. Scripts and medical diagnostic knowledge: theory and applications for clinical reasoning instruction and research. Academic Medicine, 2000.
Carvalho, Filipe. Memória. Blog Psicologia, 2011.
Autores:
- Fabrizio Almeida Prado
- Leandro Arthur Diehl
- Pedro Alejandro Gordan
Você pode referenciar o artigo acima usando o Digital Object Identifier (Identificador de Objeto Digital) – DOI.
DOI: 10.29327/823500-78