Eu não gosto muito de teste ergométrico, o famoso “teste de esteira”.

Embora tenha sua utilidade quando usado corretamente, eu vejo muitos pacientes assintomáticos sendo submetidos a esses exames, como se fosse avaliação de rotina.

Talvez seja o hábito. Talvez seja desejo do paciente. Talvez seja o incentivo financeiro ao médico…

Não sei. Mas muita gente por aí acaba correndo na esteira sem necessidade.

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Infelizmente, isso é comum (e não é só com o teste de esteira)!

Estudos mostram que, em geral, cerca de 40 a 50% dos exames complementares são feitos sem necessidade ou sem critério.

Esse tipo de conduta é chamado de “cuidado de baixo valor” (low-value care).

Você provavelmente já deve ter pensado em alguns exemplos de exames que são solicitados em excesso e sem indicação adequada.

 

* Fizemos uma rápida enquete no nosso Instagram e Facebook e nossos leitores citaram vários exames considerados inúteis: VLDL-colesterol, mucoproteínas, parasitológico de fezes, CK-MB, VHS, marcadores tumorais (em pessoas sem história de câncer), raio-x de seios da face…

Nós também pensamos em vários – e fizemos uma lista dos Top 10!

Confira abaixo a nossa lista com os exames que consideramos de mais baixo valor: os 10 exames mais inúteis da Medicina!

São exames que apresentam pouco ou nenhum benefício ao paciente, e ainda por cima podem trazer possíveis danos – físicos, psicológicos, financeiros e sociais – que ultrapassam os benefícios. Muitos deles são exames bastante conhecidos e de uso bastante difundido.

Vamos à lista:

os 10 exames mais inúteis da medicina:

1. PSA

Um tema de grande debate é a dosagem do antígeno prostático específico (PSA) para detecção precoce de câncer de próstata em homens assintomáticos. Uma grande metanálise da Cochrane Database não encontrou redução da mortalidade por câncer de próstata em homens submetidos ao rastreamento (embora o uso do PSA tenha aumentado em 30% o número de pacientes diagnosticados com essa neoplasia).

Por que não é útil?

Uma parcela significativa dos cânceres de próstata tem um comportamento biológico indolente: não cresce ou cresce muito devagar, e assim só vai causar sintomas depois de muitos anos ou décadas.

Por isso, para homens acima de 70 anos, assintomáticos, é ainda mais controversa a solicitação de PSA. Caso tenham mesmo câncer de próstata, é mais provável que acabem morrendo por outras causas antes de ter qualquer sintoma dessa neoplasia. Ou seja: morrem com o câncer, mas não do câncer!

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2. Exames pré-operatórios em pacientes de baixo risco

Parece ser razoável fazer alguns exames antes de uma cirurgia, não é mesmo?

Nem sempre! Depende da cirurgia e do paciente.

Se estamos falando de um paciente saudável que será submetido a uma cirurgia eletiva, exames como perfil de coagulação (TAP e TTPA), bioquímica, hemograma e análise urina são desnecessários. ECG, avaliação para isquemia cardíaca e radiografia de tórax também.

Por que não são úteis nessa situação?

Porque, nesse perfil de paciente, é muito raro que esses exames levem a qualquer mudança de conduta. No mais das vezes, os exames pré-operatórios nesses casos só provocam adiamentos desnecessários, aumento de custos e outros riscos indiretos.

Exames pré-operatórios são adequados para pacientes sintomáticos e naqueles com múltiplos fatores de risco que indicam possibilidade aumentada de doença e complicações.

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3. Vitamina D

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Nas últimas décadas, houve uma aparente explosão de casos de deficiência de vitamina D mundo afora. Mas essa explosão não reflete um aumento real no número de pessoas com doenças causadas pela deficiência de vitamina D. Na verdade, a incidência de raquitismo e osteomalácia nunca foi tão baixa!

O que aconteceu foi que pedir dosagem de vitamina D “entrou na moda”.

Muitos guidelines recomendam solicitar dosagens de vitamina D apenas para pacientes com alto risco de deficiência (exemplo: doença renal crônica, síndromes disabsortivas). Outras diretrizes, nem isso! Sugerem iniciar suplementação da vitamina em pacientes de alto risco, sem necessidade do exame.

Mesmo assim, muitos médicos começaram a dosar vitamina D em todo mundo, como se fosse um exame “de rotina”. Estudos mostram que 70 a 90% das dosagens de vitamina D realizadas em laboratórios são realizadas em pacientes sem indicação – ou seja, eram desnecessárias.

Para piorar a situação, os valores de referência da vitamina D são outra fonte de confusão. Muitos laboratórios consideram “normais” níveis de 25-OH-vitamina D acima de 30ng/mL. Só que não há evidências concretas de que aumentar a vitamina D de alguém para 30ng/mL seja melhor do que manter em 20ng/mL. Além disso, revisões mais recentes sugerem que o risco de doenças ósseas por deficiência vitamínica só aumenta de maneira importante com níveis de vitamina D abaixo de 10-12ng/mL.

A atual “epidemia” de deficiência de vitamina D, portanto, é de pessoas que:

  • não tinham indicação de dosar vitamina D; e
  • têm valores de vitamina D entre 20 e 30ng/mL, situação em que o benefício de repor vitamina D é incerto.

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4. Raios-x de coluna na lombalgia sem sinais de alarme

Em pacientes com dor lombar aguda, só se devem pedir exames de imagem se houver um alto índice de suspeita de fratura, infecção ou síndrome da cauda equina.

Se não há sinais de alarme (“red flags”) sugerindo alguma dessas situações, o uso de qualquer exame de imagem (seja radiografia simples, tomografia ou ressonância) não tem qualquer impacto na evolução clínica do paciente.

Aliás, podem ter impacto sim: negativo. Radiografias e tomografias não são totalmente inócuas. Você sabia que aproximadamente 3% dos cânceres são causados por exposição à radiação?

A tabela abaixo mostra quais são os sinais de alarme que, quando presentes, justificam a solicitação de exames de imagem em pacientes com dor lombar:

sinais de alarme na dor lombar:

  • Déficit motor ou sensorial progressivo;
  • “Pé caído” ou incapacidade de dorsiflexão do pé;
  • Marcha anormal;
  • Anestesia em sela;
  • Ausência de reflexo perineal;
  • Retenção urinária aguda;
  • Incontinência fecal ou urinária;
  • Diagnóstico ou suspeita forte de câncer;
  • Infecção recente ou febre;
  • Uso de drogas endovenosas;
  • Imunossupressão ou corticoterapia prolongada;
  • Início agudo de lombociatalgia bilateral;
  • Piora da dor em decúbito;
  • História de trauma ou osteoporose grave;
  • Sintomas progressivos com mais de 6 semanas de duração.

5. ultrassom de tireoide sem anormalidades à palpação

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Já falamos deste exame num post anterior, sobre overdiagnosis. A ultrassonografia de tireoide é um exame altamente sensível e pode detectar alterações anatômicas tão pequenas quanto 1 ou 2mm de diâmetro. Por isso, é muito comum encontrar pequenos nódulos na tireoide ao ultrassom.

Sabe-se que pelo menos 50% dos adultos saudáveis na população terão pelo menos um nódulo de tireoide observável ao ultrassom. A imensa maioria desses nódulos é minúscula, não palpável e sem nenhuma importância clínica!

No entanto, depois de achar um nodulozinho, esses pacientes muitas vezes são submetidos a investigações adicionais (inclusive biópsias e cirurgias) que podem resultar em estresse, custo e complicações – sem qualquer benefício clínico.

Por isso, a Endocrine Society recomenda que o ultrassom de tireoide seja solicitado apenas para pessoas com anormalidades à palpação da tireoide (ou, eventualmente, na investigação de causa de hipertireoidismo).

6. testes cardíacos "de rotina"

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Esses exames têm um grande apelo junto aos pacientes. É até divertido fazer um teste ergométrico e depois dizer que correu bem, que o coração está bom…

Mas o fato é que esses exames têm indicações claras (como todo exame) e não servem só para “dar uma conferida”.

São exames úteis para quem tem sintomas de arritmia, dispneia, dor torácica, a partir de uma avaliação médica sobre o risco individual de cada paciente (preferencialmente usados em pacientes de risco moderado para doença coronariana).

Além disso, resultados “falsos-positivos” nesses exames são comuns e desencadeiam a realização de exames mais aprofundados e invasivos (de maior risco e mais caros) e o uso de medicações indevidas.

7. Consulta médica anual em pessoas saudáveis

Consultas e avaliações médicas periódicas podem ser uma oportunidade interessante para ações de promoção à saúde e prevenção de doenças crônicas.

No entanto, se um indivíduo não tem fatores de risco para doenças e não tem sintomas – ou seja, se ele está saudável e bem – essas consultas fazem alguma diferença? Uma revisão sistemática da iniciativa Cochrane, publicada agora em 2019, tentou responder essa pergunta.

Ao revisar as evidências disponíveis sobre o impacto de consultas médicas rotineiras em adultos da população geral, não houve diferença nenhuma no risco de morbidades importantes ou de mortalidade. (E sempre há o risco, não desprezível, de dano decorrente de investigações ou tratamentos desnecessários.)

Ou seja:

É muito difícil fazer uma pessoa assintomática melhorar!

8. Densitometria óssea em mulheres com menos de 65 anos

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A densitometria mineral óssea (DEXA) é um exame muito utilizado para rastreamento de osteoporose e avaliação do risco de fraturas. A maioria dos guidelines recomenda densitometria nos pacientes de maior risco, especialmente mulheres com mais de 65 anos, para identificar pessoas que podem se beneficiar de tratamento para prevenção de fraturas.

No entanto, seu papel em mulheres mais jovens não é tão claro, e pode estimular tratamento excessivo sem evidências claras de benefício (overtreatment).

Em homens, osteoporose é bem menos comum, por isso a indicação da densitometria é ainda mais restrita: apenas após os 70 anos ou se houver fatores de risco importantes para fratura (como corticoterapia prolongada, alcoolismo ou desnutrição).

Além disso, densitometria não deve ser repetida a intervalos menores que 2 anos, pois eventuais variações na densidade mineral óssea dentro desse período de tempo costumam ser menores que a margem de erro do exame!

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9. Raios-x de seios da face

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Infecções virais são a causa da imensa maioria das rinossinusites agudas, das quais apenas 0,5 a 2% evoluem para infecção bacteriana. Por isso, a grande maioria das rinossinusites acaba se resolvendo sem tratamento, dentro de 15 dias.

O tratamento com antibiótico pode ser considerado se o paciente não está tendo melhora (ou evolui com piora) dos sintomas após uma a duas semanas do início do quadro. Ou seja: o diagnóstico é clínico, e geralmente não requer confirmação radiológica.

Se eventualmente for necessário exame de imagem por algum motivo (falta de resposta ao tratamento, suspeita de complicações), o exame de escolha é a tomografia computadorizada.

A radiografia simples de seios da face, muito usada antigamente, é muito pouco sensível, e por isso inadequada para uso clínico rotineiro.

Em crianças, é pior ainda: como os seios da face ainda estão se desenvolvendo, é muito difícil dizer se um seio paranasal opacificado na radiografia está cheio de secreção ou simplesmente ainda não se desenvolveu inteiramente.

Referência 1

10) Qualquer exame em indivíduo assintomático e sem fatores de risco

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A coisa mais comum do mundo, hoje em dia, é alguém ir ao médico para “pedir uns exames pra ver se está tudo bem”. Tanto médicos quanto pacientes, inclusive, cultivam o hábito de repetir esses exames gerais uma vez por ano!

Pois bem: fazer todos os anos uma “bateria de exames” de laboratório em todo mundo, independente de sintomas ou fatores de risco, não é uma boa ideia – por mais que pareça.

A solicitação indiscriminada de exames produz muito mais resultados falsos-positivos (e overdiagnosis) do que achados benéficos para os pacientes!

A boa prática da medicina exige que a solicitação de exames complementares seja racional. Ou seja: só peça um exame se tiver um bom motivo!

Não dá para fazer um “carimbão” e pedir sempre a mesma lista de exames para todo mundo.

Avalie o perfil de risco individual de cada paciente e peça exames de acordo com a suspeita. Por exemplo: se alguém tem história familiar de doença coronariana precoce, peça o perfil lipídico. Mas não precisa ficar dosando colesterol de todo mundo!

Conclusões

Neste post, listamos 10 exames que consideramos de baixo valor.

Isso não quer dizer que tais testes não tenham utilidade nenhuma. Não é isso! Vários desses exames podem trazer informações importantes quando respeitadas suas indicações corretas!

Só que esses 10 exames, na nossa opinião, são os mais comumente usados de forma excessiva, em pacientes para os quais eles não agregam benefício.

É lógico que devem existir mais exames na mesma situação! Se quiser ler mais a respeito, sugerimos checar a lista completa de procedimentos inadequados indicados pela iniciativa Choosing Wisely, ou conferir a página da Choosing Wisely Brasil.

 

E você?…

Conhece mais algum exame de baixo valor?

Que seja muito usado de forma excessiva, sem grande benefício?

Discorda de algum exame da nossa lista?

Compartilhe com a gente a sua opinião na seção de Comentários, aí embaixo!

Confira também a continuação desta discussão:

EXAMES INÚTEIS 2: O QUE IMPORTA É O VALOR

PARA SABER MAIS:

Autores:

  • Fabrizio Almeida Prado
  • Leandro Arthur Diehl
  • Pedro Alejandro Gordan

Você pode referenciar o artigo acima usando o Digital Object Identifier (Identificador de Objeto Digital) – DOI.

DOI: 10.29327/823500-64