Como bem sabemos, Medicina não é uma ciência exata. Por trabalharmos com o funcionamento do corpo humano, seus sistemas orgânicos complexos e mutáveis impossibilitam saber com exatidão o que está sofrendo, ou como está reagindo a tratamentos ou como será seu prognóstico.

Além disso, as emoções tanto do paciente, como as do médico, influenciam no processo de saúde-doença, desde o diagnóstico da patologia, até a reação às diversas formas de tratar aquela doença. Essa relação médico-paciente é permeada de subjetivismo.

Certamente, aprendemos formas técnicas e objetivas de lidar com tal incerteza. Talvez a principal delas seja aceitando sua existência. Justamente por ela ser uma realidade, quer gostemos disso ou não. Assim, reconhecendo-a podemos utiliza-la ao nosso favor, ou pelo menos minimizar os impactos negativos decorrentes dela, como os erros diagnósticos.

Dessa forma, já a algum tempo essa ideia foi incorporada na prática clínica, como a famosa frase do Sir Willian Osler, que faleceu a mais de um século: “Medicina é uma ciência de incerteza e uma arte de probabilidade”. Contudo, mesmo não sendo uma ideia nova, somente nos últimos trinta ou quarenta anos foi desenvolvida uma área de estudo que junta a ciência com a resolução desse problema na Medicina. A conhecida Medicina baseada em evidências.

No passado, muitas pesquisas eram realizadas e publicações científicas eram feitas, mas a prática clínica ainda estava atrelada fortemente à experiência do médico, em que os mais velhos formavam os mais novos de acordo com aquilo que vivenciaram. Embora essa prática não deva ser extinta, nas últimas décadas a ciência permitiu refinar quais as técnicas e exames deveriam ser feitos, visando a Acurácia Diagnóstica.

Como então verificar quais exames são bons ou ruins? Como saber se um teste de imagem ou laboratorial, ou até mesmo clínico é relevante para encontrar o diagnóstico?

Dois conceitos muito famosos começaram a ser ensinados: Sensibilidade e Especificidade.

Esses dois conceitos são utilizados para descrever o poder de sinais físicos em geral, ou seja, podem ser aplicados a exames diagnósticos de imagem, de laboratório ou até mesmo do exame físico.

Sensibilidade: é a razão entre os pacientes doentes com teste positivo e o total de doentes.

(Verdadeiros positivos ÷ doentes).

Resumindo, é a probabilidade de um teste dar positivo em quem realmente está doente.

Especificidade: é a razão entre os pacientes sadios com teste negativo e o total de sadios

(Verdadeiros negativos ÷ sadios).

Resumindo, é a probabilidade de um teste dar negativo em quem realmente não possui a doença.

Assim, vamos imaginar uma amostra de 100 pacientes com suspeita de Covid-19, que realizaram o teste rápido, isto é, o exame que prioriza a rapidez do diagnóstico, em detrimento da melhor assertividade.

Realizados os testes nessas 100 pessoas, 44 deram resultado positivo e 56 deram resultado negativo. Ótimo! Então temos 44 pessoas infectadas e 56 não infectadas?

Na verdade, não existe teste perfeito, no qual todos os paciente doentes teriam resultado positivo, e todos os pacientes saudáveis teriam resultado negativo. Então, sempre existem falsos positivos (deu positivo mesmo sem a doença) e falsos negativos (deram negativo mesmo com a doença).

Nesse caso, tínhamos 50 pacientes com Covid-19, e 43 deram positivo; e também 50 pacientes sem Covid-19, 49 deram negativo. Logo, tivemos 7 falsos negativos e 1 falso positivo.

Para os dados não ficarem bagunçados, utilizamos a tabela 2×2, em que temos 2 linhas (resultado do exame) e 2 colunas (com ou sem doença):

Aplicando sensibilidade (Verdadeiros positivos / doentes), temos:  = 0,86 = 86%;

Aplicando especificidade (Verdadeiros negativos / sadios), temos:  = 0,99 = 99%.

Assim descobrimos qual é a sensibilidade e especificidade desse teste, 86% e 99%, respectivamente. Lembrando que qualquer achado clínico, depois de realizado os estudos necessários, podem ter esses valores.

No caso do teste rápido, sua sensibilidade indica que dentre a totalidade de pessoas com COVID-19, 86% tem resultado positivo. Já sua especificidade indica que dentre a totalidade de pessoas sem COVID-19, 99% tem resultado negativo. Contudo, saber essas porcentagens por si só não representam muito. Então, como interpretá-las na prática clínica?

Imagine a seguinte situação: você está de plantão no PS, chega um paciente com febre e sinais respiratórios, o qual recebeu recentemente em sua casa um primo que testou positivo para Covid-19. Logicamente, você pede o teste rápido. O resultado é positivo. E agora, certeza de que ele tem a doença?

Muito provavelmente sim, pois sabemos que esse teste tem elevadíssima especificidade (apenas 1 falso positivo), ou seja, proporcionalmente quem possuir teste positivo de Covid-19, estará em grande medida com a doença (pouquíssimos são falsos).

Bacana! E se o teste desse negativo? Bem, aí teríamos um problema, pois não poderíamos excluir definitivamente o diagnóstico. O motivo é a não tão elevada sensibilidade (7 falsos negativos), isto é, proporcionalmente quem possuir teste negativo de Covid-19, ainda compõe boa parte do cálculo da sensibilidade. Impedindo, assim, um melhor descarte do diagnóstico.

Para tentar ajudar ainda mais, até existe um mnemônico em inglês que ajuda a decorar: “SpPin” (a Specific test, when Positive, rules in disease) and “SnNout” (a Sensitive test, when Negative, rules out disease).

Conseguiu entender o uso dessas características dos testes diagnósticos? Espero que sim! Guardando essas dicas finais, certamente você conseguirá lembrar mais fácil a utilidade da especificidade e da sensibilidade.

Mas você deve estar se perguntando… será que não existe uma maneira mais prática e ao mesmo tempo mais precisa para determinar em que grau a sensibilidade e a especificidade auxiliam a confirmar ou a descartar o diagnóstico? Sabemos que testes muito específicos aumentam a chance de confirmar o diagnóstico, mas quanto? 40%, 50%, 20%? (Podemos realizar o mesmo raciocínio para a sensibilidade).

Para ter um número mais exato e mais prático na clínica, precisamos entender os conceito de probabilidade pré-teste e Likelihood Ratio, que serão tratados em um próximo texto. 

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Bibliografia:

MCGEE, Steven R. Evidence-based physical diagnosis. 4ed. Philadelphia, PA: Elsevier, 2018.

SIMEL, David L.; RENNIE, Drummond; KEITZ, Sheri A.. The Rational Clinical Examination: Evidence-Based Clinical Diagnosis. United States of America: American Medical Association, 2009.

Autor:

Alexandre Wilton Bissoli Júnior

Você pode referenciar o artigo acima usando o Digital Object Identifier (Identificador de Objeto Digital) – DOI.

DOI: 10.29327/823500-100