Confira abaixo a discussão do Webcaso #11: Minha barriga dói muito (gravada no dia 20/08):

Webcaso #11: Continuação e diagnóstico

A paciente era uma mulher de 37 anos com cólicas abdominais severas há dois dias, com constipação e náuseas associadas. Ela mora em Cambé-PR e foi atendida na UBS de seu bairro 3 dias atrás, onde lhe foi prescrito Sulfametoxazol+Trimetoprima (Bactrim) para tratamento de uma infecção de trato urinário. No pronto socorro, refere que ainda apresenta disúria. 

Na revisão de sistemas, relatou que estava com sensação estranha nas pernas e com pouca sensibilidade no braço esquerdo. Negou febre, rashes, cefaleia, alterações visuais ou artralgias. Está em uso de contraceptivo oral e não teve gestação prévia. Nega uso de tabaco, álcool ou outras drogas. Nega alergias medicamentosas, sem histórico de internação em UTI.

Até aqui, um bom resumo de caso seria:

“Mulher adulta, G0P0, previamente hígida, com quadro agudo de cólicas abdominais intensas, constipação, náuseas, parestesia de MMII, hipoestesia de MSE e palpitações. Bactrim iniciado 3 dias atrás para tratamento de provável ITU, em uso de contraceptivo oral.”

Ao exame físico, a paciente apresentava-se em BEG, lúcida e orientada em tempo e espaço, corada, hidratada, anictérica, eupneica, com taquicardia rítmica (FC 118), hipertensa (PA 158/98) e afebril.

Ao exame cardiovascular: sem murmúrios ou sopros, S1 e S2 normais, sem edemas relacionados, tempo de preenchimento capilar normal, pressão venosa jugular normal.

O abdome estava difusamente flácido, sem rigidez involuntária ou sensibilidade de rebote. Notou-se discreta sensibilidade no ângulo costovertebral, enquanto que no exame geniturinário observou-se apenas aumento da sensibilidade suprapúbica.

Pensando num diagnóstico diferencial de afecções cardíacas, foi solicitado um ECG, no qual observou-se taquicardia sinusal, ausência de arritmias ou de achados correspondentes a isquemia cardíaca.

Nos exames de laboratório, viu-se que a contagem global de células era normal, o Na = 128 mEq/L, a Creatinina = 1,2 mg/dL e a lipase = 200 U/L. A urina apresentava uma cor avermelhada brilhante e cultura de urina negativa. Até uma TC abdominal foi pedida, mas veio sem quaisquer alterações.

De olho na hipótese mais provável (e certamente sendo um assinante do site Raciocínio Clínico), o responsável pelo caso pediu o exame que confirmou o diagnóstico: porfobilinogênio urinário.

O resultado foi um porfobilinogênio aumentado, de 30mg/g (o normal é <10 mg/g).

DIAGNÓSTICO FINAL

Porfiria Aguda Intermitente

A paciente foi internada para terapia de suporte, incluindo controle da dor, beta-bloqueadores IV para para taquicardia, hidratação e hemoterapia IV. Ela se recuperou após 4 dias de administração de Hemin. A administração de Sulfametoxazol+Trimetoprima (Bactrim) foi um gatilho provável.

SOBRE A DOENÇA:

A Porfiria Aguda Intermitente (AIP – Acute Intermittent Porphyria) é causada por uma mutação no gene que codifica a enzima porfobilinogênio-desaminase (PBGD), presente especialmente no fígado. Isso leva a uma elevação do precursor porfobilinogênio (PBG) na síntese de heme. O resultado é a formação de toxinas, causando dor abdominal neuropática e neuropatias sensoriais e motoras periféricas.

Muitos indivíduos com mutações no gene que codifica a PBGD permanecem latentes e assintomáticos até serem expostos a um gatilho, geralmente um medicamento que induz as enzimas p450 hepáticas. Os indutores incluem neurolépticos, rifampicina, benzodiazepínicos, PPIs e antibióticos contendo sulfa.

Os 3 principais sintomas são dor abdominal, constipação e vômitos. A qualidade da dor abdominal, sendo neuropática, é severa, constante, não localizada, sem rebote e sem guarda. Fraqueza muscular, sintomas psiquiátricos, hipertensão, taquicardia e neuropatias motoras e sensoriais também são comuns.

Também pode se ter achados comuns inespecíficos, incluindo Na+ baixo, lipase moderadamente elevada e creatinina moderadamente elevada. O achado patognomônico é PBG elevado na urina. Ah, falando nisso, confira o nosso texto sobre sinais patognomônicos clicando aqui

A urina escura ou marrom-avermelhada costuma ser um sintoma inicial de um ataque de AIP. Isso pode ser confundido com hematúria, mas o exame de urina será normal e a microscopia estará livre de hemácias. Isso é suficiente para iniciar o tratamento.

FONTE DO CASO:

Reitzenstein, Jon. 37-year-old female with severe abdominal pain. HumanDx, 2020. 

CONFIRA COMO FOI A DISCUSSÃO DESTE WEBCASO:

O vídeo completo com a continuação e o diagnóstico final do caso está disponível apenas para assinantes da RC Academy 2.0!