Ficamos muito felizes com a participação da Liga Acadêmica de Clínica Médica da Universidade Estácio do Rio de Janeiro (LAC – Estácio/RJ) e da Liga Acadêmica de Clínica Médica da Universidade Anhembi Morumbi, de Piracicaba-SP (LACM UAM – Piracicaba) na discussão deste Webcaso #14, que foi extremamente proveitosa!

Confira abaixo a continuação do caso, o diagnóstico final e os nossos comentários:

CONTINUAÇÃO DO CASO

Nossa paciente do Webcaso #14 era uma mulher obesa de 68 anos, portadora de múltiplas comorbidades crônicas, que foi admitida no pronto-atendimento com alteração de estado mental há uma semana. A paciente havia sofrido um AVE isquêmico há 3 meses, que a deixou com um comprometimento cognitivo e uma paralisia facial do lado esquerdo. As únicas outras informações positivas na anamnese foram a piora recente de uma obstipação intestinal crônica e um histórico de nefrolitíase complicada.

(E aqui, se você já viu esta síndrome antes, é possível que você já tenha reconhecido um padrão!)

O exame físico da paciente era inocente, sem sinais de sepse ou outros déficits neurológicos focais, o que sugere possíveis causas metabólicas para a sua piora neurológica.

Os exames laboratoriais, por sua vez, deram algumas dicas importantes: além da anemia e da insuficiência renal (que continuavam nos mesmos níveis da internação anterior, há 3 meses), também mostraram uma hipercalcemia significativa.

(E neste ponto, se você também já viu alguma doença que causa estes achados todos, é bem possível que você já tenha reconhecido um outro padrão!)

O cálcio total dosado no sangue desta paciente foi de 12,9mg/dL (sendo que o valor normal é até 10,5mg/dL). Corrigindo para o nível de albumina, o cálcio “real” dela é ainda mais alto: em torno de 13,7mg/dL (muito alto!).

Ela foi medicada com solução salina IV e diuréticos de alça para tentar reduzir a calcemia, mas não houve melhora depois de algumas horas.

AVALIAÇÃO DA HIPERCALCEMIA

Tendo em vista a gravidade da hipercalcemia desta paciente, inclusive sem resposta às medidas iniciais, e a alteração neurológica global, sem déficits focais, é bem possível que o distúrbio do cálcio seja a causa da confusão mental desta paciente.

Além disso, hipercalcemia pode se apresentar (além de confusão mental) também com obstipação e nefrolitíase – que esta paciente também tem! (E esta é a primeira síndrome que você deve ter reconhecido ao ler a continuação deste caso!)

Falta, no entanto, definir a causa desta hipercalcemia.

Uma primeira etapa na investigação das causas de hipercalcemia é definir se ela é dependente da ação do paratormônio (PTH) ou não.

Para isso, pedimos a dosagem séria do PTH, hormônio responsável pela reabsorção de cálcio e excreção de fósforo pelos rins, pela ativação de osteoclastos para retirar o cálcio dos ossos e jogá-lo na corrente sanguínea e pela facilitação da absorção de cálcio pelos intestinos – todos efeitos que aumentam a calcemia!

Caso o paratormônio não esteja alterado, a hipercalcemia é não dependente de PTH. Isso nos leva a pensar em causas secundárias como intoxicação por Vit-D (o que até poderia ser considerado nesta paciente, em uso crônico de vitamina D), hipertireoidismo, aporte excessivo de cálcio ou interferência farmacológica (tiazídicos, vitamina A, antiestrogênios).

Os casos de hipercalcemia com PTH elevado podem ser classificados como dependentes de paratormônio. Ou seja: os altos níveis de cálcio sérico decorrem justamente da ação hormonal do PTH. Isso nos faz pensar em patologias que aumentem a produção de PTH diretamente, ou seja, como causa primária. Assim, as causas mais comuns de hipercalcemia primária são neoplasias nas glândulas paratireoides (hiperplasia, adenoma ou carcinoma), causas genéticas como a hipercalcemia hipocalciúrica familiar (HHF) e também tumores sólidos que secretam o PTHrP, substância que compartilha boa parte da estrutura e funcionalidade do PTH, mas que é produzido exclusivamente por esses outros tipos de tumor.

Com esse raciocínio em mãos (ou melhor, na cabeça), requisitamos alguns exames complementares para nos auxiliar na classificação dessa hipercalcemia.

Exames adicionais

PTH: 254 pg/mL (Valor de referência: 12-88); PTHrP: normal; 25-OH-Vitamina D: 25,6 ng/mL (Valor de referência: 30-100); 1,25-di-OH-Vitamina D: 10 pg/mL (Valor de referência: 18-72); Vitamina A (52 mcg/dL); Eletroforese de proteínas séricas e de urina normais, bem como cadeias leves séricas normais.

como progrediu a investigação desta paciente?

Com esses resultados, podemos já entender melhor o quadro fisiopatológico de nossa paciente.

Primeiro, ela tem uma hipercalcemia refratária às medidas de cuidado iniciais, aliada a níveis séricos de PTH elevadíssimos, classificando o quadro como dependente de PTH.

Além disso, foram descartadas causas secundárias como intoxicação por Vitamina D ou Vitamina A e secreção tumoral de PTHrP (todos em níveis baixos).

Um ponto interessante é a dosagem de proteínas e cadeias leves plasmáticas, que poderiam revelar mieloma múltiplo, um tumor que frequentemente provoca hipercalcemia – e também anemia e insuficiência renal! (E este é o segundo padrão que você talvez tenha reconhecido ao ler a continuação deste caso!)

Portanto, restam as causas primárias de hipercalcemia, das quais as mais frequentes são as neoplasias das paratireoides.

Para confirmar essa suspeita, foi feito inicialmente um teste simples: uma ultrassonografia do pescoço, que revelou um nódulo posterior hipoecoico lobulado, de dimensões 1,8 x 1,6 x 1,3 cm, na topografia do lobo direito da tireoide (atrás da qual costumam ficar as paratireoides).

Outro exame mais complexo, a cintilografia com tecnécio (sestamibi), possui forte afinidade por mitocôndrias (tecidos de elevada taxa metabólica) e costuma marcar coração e tumores de paratireoide. Este exame mostrou captação extremamente aumentada na região paratraqueal direita, sugerindo adenoma de paratireoide naquela localização.

Por fim, uma densitometria óssea revelou osteoporose de colo de fêmur direito e esquerdo, comprovando a ação deletéria do excesso PTH nos ossos, que sofreu desmineralização.

A paciente foi medicada com calcitonina, cinacalcet, salina IV e furosemida, evoluindo com melhora gradual da calcemia até 11,0g/dL. Foi indicada paratireoidectomia, mas acabou sendo suspensa devido a complicações por sobrecarga de volume, e a paciente permanece em tratamento clínico aguardando ter condições para o tratamento cirúrgico.

DIAGNÓSTICO FINAL

Hiperparatireoidismo primário por adenoma de paratireoide

FONTE DO CASO:

Traduzido e livremente adaptado de:

Hussain, Tas. 68yoF with hypercalcemia. HumanDx, 2020. Disponível em: https://www.humandx.org/o/3wbl1ef6

Quer ver como foi a discussão deste caso?

O vídeo completo com a continuação e o diagnóstico final do caso está disponível apenas para assinantes da RC Academy 2.0!