Você sabia que 95% das nossas decisões são inconscientes?

É isso mesmo: no dia-a-dia, a imensa maioria das nossas decisões é tomada usando heurísticas (“atalhos” de pensamento), que predispõem a vieses (disposições “programadas” para responder a estímulos de maneiras predeterminadas).

Não é à toa que os vieses são a maior fonte de erros diagnósticos.

Felizmente, existem maneiras de atenuar o impacto dos vieses no nosso raciocínio diagnóstico e aumentar a segurança diagnóstica: são as estratégias antivieses.

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O QUE SÃO ESTRATÉGIAS ANTIVIESES?

Qualquer processo desenhado para atenuar alguma tendência natural do nosso cérebro que possa nos levar a decisões erradas é chamado de estratégia antiviés. (Do inglês: “cognitive debiasing” ou “cognitive bias mitigation”.)

Esses processos podem ser classificados em dois grupos, cada um com um grau diferente de esforço cognitivo:

A) Estratégias do sistema

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São estratégias antivieses que usam recursos simples para induzir as pessoas a fazerem a coisa certa, sem exigir esforço adicional.

Observe os caixas eletrônicos:  para não esquecer o cartão lá dentro, você é obrigado a retirá-lo antes de liberar o dinheiro – e você nem sequer precisa pensar nisso!

B) Estratégias deliberadas de pensamento

Estas estratégias antivieses exigem que o indivíduo execute várias etapas mentais:

  1. avaliar as respostas automáticas do Sistema 1, usando o pensamento analítico e crítico do Sistema 2;
  2. detectar o risco potencial de vieses nessas respostas do Sistema, e
  3. aplicar um determinado conhecimento para contra-atacar esse viés.

Estratégias como esta, obviamente, exigem maior gasto de tempo e de energia da parte do profissional.

Um exemplo: médicos experientes conhecem o risco do “momento diagnóstico” (aceitar aquele diagnóstico que já vem pronto, sem pensar em outras hipóteses) numa troca de plantão. Se acharem que isso está ocorrendo, forçam-se a reabrir o diagnóstico diferencial para garantir que nenhuma outra possibilidade importante tenha sido negligenciada.

7 estratégias antivieses para prevenir erros diagnósticos

As estratégias que envolvem o processo de pensamento exigem educação e treinamento do profissional.

Aprender os processos mentais do raciocínio diagnóstico, a Teoria do Processo Dual e os principais vieses cognitivos já é um ótimo começo!

Abaixo, indicamos as 7 estratégias antivieses mais úteis para aumentar a segurança diagnóstica na prática clínica:

1. VACINAÇÃO

Os jovens médicos podem aprender que um viés chamado “search satisficing” (parar de procurar por anormalidades assim que você encontra a primeira) é uma causa comum de erros:

  • Em Ortopedia (dificultando a detecção de uma segunda fratura);
  • Em Toxicologia (fazendo um segundo agente tóxico passar despercebido), e
  • Em Pediatria (levando à perda de um segundo corpo estranho no ouvido da criança).

A dica aqui é utilizar e ver múltiplos exemplos clínicos em diferentes contextos até os profissionais ficarem “vacinados”, ou seja, adquirirem o hábito mental de serem cuidadosos e sistemáticos para procurar uma segunda ou terceira anormalidade, mesmo após já ter encontrado uma.

2. COLETA DE DADOS COMPLETA

O nosso Sistema 1 de pensamento é ótimo para dar respostas simples e rápidas para situações complexas com dados incompletos – especialmente se eles sugerem uma boa história – e ignorar aquilo que não sabemos.

Daniel Kahneman, prêmio Nobel e autor do livro Rápido e devagar: Duas formas de pensar chama esta situação de “o que você vê é tudo o que há” (“what you see is all there is”, WYSIATI).

Uma boa estratégia é garantir que todas as informações relevantes foram consideradas e tentar coletar mais dados, especialmente antes de tomar alguma decisão importante.

3. Coleta de dados estruturada

Uma coleta de dados rápida e superficial – a famosa “olhadinha” ou “consulta de corredor” – aumenta o risco do médico se fixar demais em alguns pontos mais “salientes” da história. Isso automaticamente ativa o Sistema 1 com grande risco de fechamento prematuro.

Toda avaliação clínica deve ser feita num ambiente adequado, seguindo uma rotina estruturada, para garantir que dados e hipóteses menos óbvias não sejam ignorados.

Um exemplo: em Psiquiatria, o uso de uma abordagem como a entrevista clínica estruturada para desordens do DSM (structured clinical interview for DSM disorders”, SCID) diminui vieses e aumenta a performance diagnóstica.

4. RECONHECER A INCERTEZA

Medicina é uma caixinha de incertezas! Por isso, temos que nos acostumar a manter sempre uma razoável margem de dúvida em relação aos dados e diagnósticos à nossa frente, para não sermos autoconfiantes demais a ponto de acreditarmos cegamente na nossa primeira impressão.

5. RECONHECER VIESES AFETIVOS

Não somos tão frios, lógicos e racionais como gostamos de acreditar. Quase toda tomada de decisão envolve algum grau de envolvimento emocional.

Um paciente que desperta uma forte reação emocional no médico é uma situação de alto risco de erro, pois essa emoção pode desviar o raciocínio.

Temos que aprender a reconhecer nossas próprias reações afetivas e contrabalançar seu efeito com uma simulação bem simples: “se eu não gostasse tanto deste paciente, eu faria algo diferente?

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5. DESACELERAR O RACIOCÍNIO

Erramos mais quando queremos respostas rápidas. Por isso, desacelerar o processo de raciocínio pode aumentar nossa acurácia diagnóstica.

Metacognição é o processo de usar o Sistema 2 para checar o que o Sistema 1 está dizendo (ou seja, “pensar sobre o pensar”).

Atenção plena (mindfulness) é a consciência do momento presente, livre de julgamentos de valores.

Além destas, a prática reflexiva e o uso deliberado de um pit-stop” diagnóstico (um intervalo para pensar melhor no problema) também podem ajudar a reduzir erros.

7. forçar o sistema 2

Estas são as ferramentas mais importantes para redução de erros por vieses.

As estratégias para “forçar” a ativação do Sistema 2 podem ser incluídas na sequência da avaliação dos pacientes, de forma explícita ou não.

Veja abaixo alguns exemplos de estratégias antivieses para forçar o Sistema 2:

ESTRATÉGIAS PARA ATIVAR O SISTEMA 2:

  • Gerar alternativas: “por mais simples que seja o caso, tente sempre fazer 3 hipóteses”.
  • Sistemas de apoio à decisão: aplicativos de diagnóstico diferencial, como o Isabel ou o DxPlain, podem ser integrados ao prontuário eletrônico. Eles podem gerar automaticamente listas de hipóteses assim que os dados do paciente são inseridos, ajudando o médico a considerar outras alternativas.
  • Estratégia de desconfirmação: O viés de confirmação é quando valorizamos muito mais as informações que confirmam nossa impressão inicial que as que refutam. Uma maneira de contorná-lo é tentar fazer exatamente o oposto: buscar voluntariamente evidências que possam refutar nossa hipótese inicial.
  • “Cegamento”: Consiste em deliberadamente ignorar o pensamento de outras pessoas, para não ser influenciado por ele. Ao receber um paciente que foi atendido por outro médico no Pronto-Socorro, por exemplo, é sempre uma ótima ideia colher sua própria história e pensar com sua própria cabeça!
  • Checklists: Muito usados para aumentar a segurança em áreas como a aviação, estão sendo cada vez mais incorporados na Medicina, como, por exemplo: o nosso checklist do diagnóstico seguro.
  • ROWS (do inglês “Rule Out Worst Scenario”): investigar primeiro as hipóteses que matam mais rápido. Por exemplo: nunca concluir que um paciente tem dor torácica de origem musculoesquelética sem antes descartar infarto agudo do miocárdio, dissecção aguda de aorta, pneumotórax e tromboembolismo pulmonar.
  • Regrinhas de ouro”: São pequenas “pérolas” desenvolvidas ao longo de décadas de experiências clínicas acumuladas, que ajudam a prevenir erros (“pitfalls”) comuns na prática. Vide abaixo:

Alguns exemplos de "regrinhas de ouro":

  • Todo paciente com diabetes com sintomas sistêmicos deve fazer um eletrocardiograma.
  • Cheque a glicemia em todo quadro neurológico agudo.
  • Suspeite de embolia pulmonar em todo paciente com sintomas torácicos ou respiratórios agudos de qualquer tipo.
  • Somatização ou conversão só podem ser diagnosticadas após exclusão de causas orgânicas.
  • Em pacientes com dor numa articulação, sempre examine também as articulações acima e abaixo da que dói.
  • Toda mulher em idade fértil está grávida até prova em contrário.

Como usar AS estratégias antivieses na prática?

O primeiro passo é reconhecer que os vieses ocorrem – inclusive com você! O Dr. Pat Croskerry explica, no seu livro “Diagnosis: Interpreting the Shadows“, que muitos médicos estão ainda numa fase “pré-contemplativa”: não sabem que existe um problema, logo, não podem tomar nenhuma ação para resolvê-lo!

conscientização para o problema dos vieses como causas frequentes de erros diagnósticos pode ser obtida com atividades educativas (aulas, cursos, congressos, artigos, livros) ou campanhas de alerta. Com isso, o médico pode passar para a fase de “contemplação”, quando começam a ser consideradas perspectivas de mudança de comportamento.

Infelizmente, mesmo assim alguns médicos só tomam consciência de que estão sujeitos a erros quando cometem algum erro grave, com consequências desastrosas.

segundo passo é adquirir e cultivar estratégias antivieses como hábitos. Muitas das estratégias antivieses que apresentamos acima podem ser postas em prática com grande rapidez e sem muita necessidade de treinamento. Experimente algumas delas!

Finalmente, o terceiro passo envolve um profundo comprometimento com a verdade e com a excelência. Afinal, a pessoa precisa assumir uma atitude de vigilância constante sobre as próprias decisões e o próprio comportamento. Supervisionar o próprio pensamento é algo que dá trabalho! Reflexão, autocrítica, pensamento crítico, autoconhecimento e uma boa dose de persistência são requisitos essenciais para que o médico tenha êxito nessa tarefa tão desafiadora.

CONFIRA TAMBÉM:

Uma ferramenta incrível para aumentar seu PODER diagnóstico:

PARA SABER MAIS:

Croskerry P, Cosby KS, Graber ML, Singh H. Diagnosis: interpreting the shadows. Boca Raton: Taylor & Francis, 2017.

Kahneman D. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

Autor:

Leandro Arthur Diehl

Você pode referenciar o artigo acima usando o Digital Object Identifier (Identificador de Objeto Digital) – DOI.

DOI: 10.29327/823500-45