O diagnóstico por imagem é um apoio cada vez mais presente no diagnóstico em Medicina, por isso é fundamental aprender a utilizar melhor os exames radiológicos. Analise o caso abaixo e depois acompanhe a discussão para conhecer as principais causas de erros em Radiologia. Ao final, apresentamos algumas dicas valiosas para ajudar você a utilizar melhor os exames de imagem!

Caso clínico

Um homem idoso é admitido no pronto-socorro com sepse e insuficiência respiratória e é rapidamente intubado. O médico pergunta à esposa do paciente se ele vinha tendo algum sintoma de pneumonia, e ela diz que ele vinha tendo dor nas costas há alguns dias, febre há 2 dias e falta de ar há 1 dia. Ele havia sido tratado de tuberculose (TB) há 3 anos.

Radiografia e tomografia (TC) de tórax são solicitados, bem como TC de abdome, pois ele também apresentava distensão abdominal. Os exames são discutidos com o residente da Radiologia, que descreve infiltrados pulmonares bilaterais e uma imagem sequelar em ápice do pulmão direito. A tomografia de abdome mostra cálculos em vesícula biliar.

O médico assistente diagnostica sepse de foco pulmonar e inicia antibióticos para pneumonia.

Após 48 horas não há melhora; pelo contrário, o paciente evolui com choque séptico e insuficiência renal aguda. Devido à distensão abdominal, à tarde é realizada uma ultrassonografia que revela hidronefrose à esquerda e um cálculo obstrutivo em ureter.

Ele é submetido a passagem de cateter duplo J, com saída de líquido purulento.

Com SARA e choque refratário, o paciente evolui a óbito naquela noite.

Após o óbito, o plantonista da UTI resolve rever a tomografia de entrada, que já mostrava o cálculo com hidronefrose. No laudo da TC, que foi emitido na manhã desse dia, constavam essas informações.

erros em radiologia - raciocínio clínicoErros em Radiologia

Como já vimos anteriormente, erros diagnósticos são comuns, assim como os erros em Radiologia. Cerca de 4% das interpretações radiológicas contém erros e até 30% das alterações em exames radiológicos são perdidas. Os erros em Radiologia contribuem para erros no diagnóstico final, com consequências importantes para os pacientes. Logo, é obrigação de todo médico conhecer as causas mais comuns de erros em Radiologia e alguns modos de preveni-los.

Para avaliar um exame de imagem, os radiologistas utilizam-se de detecção visual, reconhecimento de padrões, memória e raciocínio cognitivo. Como esse trabalho ocorre dentro de um sistema que recebe as solicitações, realiza os exames e finalmente repassa os laudos, os erros em Radiologia podem decorrer de limitações do radiologista, de falhas do sistema ou de ambas (multifatoriais).

Além disso, a própria natureza do trabalho do radiologista, por si só, já introduz muitos elementos que dificultam o diagnóstico. Há uma grande variabilidade dos achados normais e patológicos entre um paciente e outro, as doenças podem ter uma ampla gama de variações, e existem diferenças entre equipamentos e softwares usados para captura e análises de imagens, dentre outros fatores.

Os erros devidos às limitações do radiologista podem ser classificados em erros de percepção e erros de interpretação (cognição).

• Erros de percepção

São aqueles que ocorrem no início da interpretação da imagem, quando o radiologista “passa” os olhos pelo exame. Nesse caso, há uma anormalidade, mas ela não é vista.

Interferem aí fatores como cansaço, quantidade de trabalho, rapidez com que os exames têm que ser vistos e também eventuais distrações.

Um fenômeno interessante que contribui para que uma alteração não seja vista é a chamada busca satisfeita (“search satisficing“) . Isso ocorre quando o radiologista encontra uma primeira lesão ou alteração no exame e então interrompe a procura por outras alterações – que são perdidas. Em outras palavras: o médico fica “satisfeito” ao encontrar a primeira lesão. Isso é comum com pacientes vítimas de politrauma, por exemplo – um antigo ditado diz que “a fratura mais comumente perdida é a segunda”.

Estudos feitos com radiologistas, avaliando seus movimentos oculares, demonstraram que, após identificar uma lesão, geralmente há um relaxamento imediato no olhar, que deixa de se movimentar no mesmo ritmo.

tin man syndrome - erros em radiologia

Viu alguma coisa errada nesta imagem?…

 

• Erros de interpretação ou erros cognitivos

Este tipo de erro ocorre quando uma alteração é vista, mas é interpretada de maneira incorreta. Não basta enxergar uma alteração: o radiologista precisa interpretá-la e oferecer hipóteses diagnósticas. É aí que falta de conhecimento (e experiência), informações clínicas inadequadas (ou incompletas) e diversos vieses cognitivos podem levar a erros de raciocínio.

Veja alguns vieses cognitivos que parecem ser mais frequentes:

• Efeito moldura: o modo como as informações clínicas chegam ao radiologista faz com que ele foque apenas em uma hipótese;

• Fechamento prematuro: um diagnóstico é dado com informações muito incompletas. Por exemplo, um “padrão em vidro-fosco” em uma TC de tórax pode ser interpretado como vasculite pulmonar em um paciente com história de insuficiência renal e edema (síndrome pulmão-rim) quando se trata de congestão pulmonar (que tem o mesmo padrão);

• Viés de confirmação: quando os achados que confirmam uma hipótese são supervalorizados e os dados conflitantes são ignorados ou menosprezados;

• Medo de zebras: o médico fica com receio de liberar um laudo com uma hipótese de uma doença rara.

Erros do sistema

Em um sistema ideal, os exames deveriam ser vistos com a rapidez apropriada a cada caso (os urgentes primeiro), e os laudos contendo alterações clinicamente importantes deveriam ser informados imediatamente aos médicos solicitantes.

Já há iniciativas como o envio de alertas (e do laudo) para smartphones para avisar o médico solicitante assim que uma alteração em exame é detectada.

O que deu errado no caso do início?

erros em radiologia - raciocínio clínico

Vários problemas podem ter contribuído para o erro diagnóstico no caso que demos como exemplo:

  •  Em pacientes que já chegam graves e são intubados, a história é colhida às pressas e as perguntas podem ser feitas de maneira a induzir uma resposta (“ele tinha algum sintoma de pneumonia?”), aumentando a chance de erro;
  •  O exame radiológico foi discutido com o residente (que está em formação). Experiência faz muita diferença. Nos Estados Unidos, médicos precisam fazer 6 anos de treinamento na área de Radiologia para tornar-se especialistas, e durante esse período vêem mais de 60.000 exames sob supervisão de radiologistas experientes;
  •  O residente da Radiologia que analisou a TC foi vítima de dois vieses cognitivos: efeito moldura e fechamento prematuro. O médico que solicitou o exame e discutiu o caso com o residente informou a ele que sua hipótese principal era sepse pulmonar em um paciente previamente tratado para TB. Como resultado, o residente deixou de considerar outras hipóteses para explicar os achados do exame. Na verdade, o infiltrado pulmonar bilateral era uma Síndrome da Angústia Respiratória do Adulto (SARA);
  •  A TC de abdome foi solicitada devido a distensão abdominal, sem que o solicitante desse muita importância a este exame. Assim que o residente encontrou a primeira alteração (litíase biliar), sua busca foi satisfeita e a nefrolitíase obstrutiva (foco real da infecção) passou despercebida;
  •  O médico assistente aceitou o laudo verbal (não-oficial), incompleto, do residente. O laudo oficial só saiu no segundo dia de internação, e as alterações significativas (cálculo em ureter, hidronefrose) não foram informadas rapidamente ao solicitante – uma falha do sistema.

Dicas finais

Para reduzir erros em Radiologia e aumentar a segurança do diagnóstico radiológico, tenha sempre em mente estas dicas:

  • • Escreva sempre os dados relevantes da história e as hipóteses diagnósticas nas solicitações de exames. Existe uma certa preocupação da história enviesar o radiologista, mas uma meta-análise recente mostra que existe maior acerto nos diagnósticos quando o radiologista tem acesso a informações adequadas.
  • • Discuta diretamente com o radiologista se houver incerteza ou dúvida devido a um diagnóstico mais difícil. Quando os exames forem feitos em outro lugar ou os laudos forem emitidos à distância, pegue o telefone e faça contato.
  • • Não apresse o radiologista! Dê tempo a ele, mesmo que seja urgente.
  • • Que mais pode ser? Que doenças podem causar esse padrão? Faça essas perguntas quando o laudo tiver só uma hipótese, ou se você discorda das hipóteses do laudo. Isso evita o fechamento prematuro, para você e para o radiologista.
  • • Procure outras alterações, principalmente em situações de politrauma ou pacientes graves. Não pare de procurar outras alterações depois de encontrar a primeira.
  • • Vá atrás do exame. Não fique esperando e nem se contente com um laudo verbal. Os laboratórios de Radiologia têm um fluxo de trabalho e às vezes não estão atentos à urgência do paciente. Fique atento e seja proativo.

*BÔNUS!

Outra coisa que ajuda muito no diagnóstico radiológico é saber pedir o exame mais apropriado para cada situação clínica. Se você pedir o exame errado, é óbvio que a avaliação vai ser mais difícil, mais demorada e mais cara. Tomografia, por exemplo, é um ótimo exame para pesquisar presença de ar livre em cavidades, mas não é muito bom para avaliar próstata ou tireoide. Pensando nisso, o American College of Radiology (ACR) oferece uma ferramenta para ajudar os clínicos a escolherem o melhor exame em cada situação: é o ACR Appropriateness Criteria. O acesso é gratuito (em inglês). Confira no link abaixo:


Em tempo: a radiografia de tórax no texto acima mostra ausência de área cardíaca. É uma radiografia fictícia, criada em um editor de imagens para representar a “síndrome do homem de lata” (“tin man syndrome“), uma malformação congênita em que o coração estaria localizado inteiramente na cavidade abdominal. Esta imagem foi uma brincadeira de Primeiro de Abril de um site de Radiologia, e enganou bastante gente… (CLIQUE AQUI para ler a publicação original a respeito dela no site Radiopaedia.org)


PARA SABER MAIS:

Autores:

Leandro Arthur Diehl, Fabrizio Almeida Prado, Pedro Alejandro Gordan

Você pode referenciar o artigo acima usando o Digital Object Identifier (Identificador de Objeto Digital) – DOI.

DOI: 10.29327/823500-13