Antes de mais nada, precisamos confessar: todos os 3 editores deste site são fãs de carteirinha do nosso entrevistado deste mês. Por isso, ficamos muito felizes quando conseguimos entrar em contato com o Dr. Pat Croskerry e ele concordou em nos ceder esta entrevista exclusiva!

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Dr. Pat Croskerry

Quem é Pat Croskerry?

O Dr. Pat Croskerry é um médico emergencista do Canadá que estuda erros diagnósticos e raciocínio clínico para entender por que os médicos (inclusive os bons médicos!) cometem erros.

quais as contribuições do dr. pat croskerry?

Formado também em psicologia experimental, Pat Croskerry trouxe para a área médica a ideia de que a própria maneira como nossa mente funciona pode nos levar a erros.

Além disso, foi uma das primeiras pessoas a estudar e escrever sobre uma causa importantíssima de erros diagnósticos, até então ignorada pela comunidade médica: os vieses cognitivos e afetivos.

Nos últimos 20 anos, publicou mais de 80 artigos, mais de 30 capítulos de livros e deu mais de 500 palestras sobre vieses cognitivos e afetivos, erros diagnósticos e segurança do paciente.

Em grande parte, foi o seu trabalho que nos inspirou a ler e estudar mais sobre raciocínio clínico diagnóstico – inclusive a lançar este site!

Veja abaixo o recado que o Dr. Croskerry gravou para os leitores do Raciocínio Clínico:

Confira logo abaixo a nossa entrevista exclusiva com o Dr. Pat Croskerry – e não esqueça de compartilhar com seus amigos que também gostam de estudar sobre raciocínio clínico e erros diagnósticos!

entrevista exclusiva com pat croskerry

RACIOCÍNIO CLÍNICO: Dr. Croskerry: já sabemos que o raciocínio clínico diagnóstico é uma habilidade que pode ser ensinada. Na sua opinião, quando e como deveríamos ensinar raciocínio diagnóstico para estudantes de Medicina? Como isso é feito na sua universidade?

DR. PAT CROSKERRY: Idealmente, os princípios básicos de raciocínio, lógica e pensamento crítico deveriam ser ensinados ainda antes da entrada do aluno na faculdade. Assim, haveria uma boa base sobre a qual poderíamos desenvolver o raciocínio clínico e a o processo de tomada de decisões, uma vez que o aluno começasse a adquirir conhecimento médico.

Quando isso não acontece, o treinamento explícito sobre as habilidades de tomada de decisões clínicas deve ser iniciado já no início do primeiro ano do curso de Medicina, e essas devem ser reconhecidas como as mais importantes das habilidades de um bom clínico.

Aqui na Dalhousie, nós encaramos a tomada de decisões como a habilidade clínica mais importante de todas, e damos palestras introdutórias sobre os fundamentos dessa habilidade desde o primeiro mês do primeiro ano da faculdade. Como este é um programa longitudinal, essas atividades continuam ao longo do curso e vão até o quarto ano da graduação em Medicina.

RACIOCÍNIO CLÍNICO: O que você acha de uma cooperação internacional com a sua instituição, para possibilitar um programa de aprendizagem sobre raciocínio clínico para estudantes e residentes de outros países?

DR. PAT CROSKERRY: Cooperação internacional e intercâmbios são importantes em qualquer área de aprendizagem. No entanto, como o nosso programa é longitudinal (vai do primeiro ao quarto ano do curso médico), nós não temos condições de oferecer um curso para alunos de graduação em Medicina de outros países. Acredito que a melhor maneira de concretizar algo assim seria se o estudante interessado contatasse um dos nossos professores e combinasse um estágio eletivo com ele ou ela.

O que nós temos à disposição de qualquer interessado é um curso online chamado TACT – Teaching and Assessing Critical Thinking (Ensino e Avaliação do Pensamento Crítico), que pode ser feito de qualquer lugar do mundo. Esse curso contém o material básico que oferecemos para nossos estudantes de Medicina, e pode ser realizado em 1 a 2 horas por semana, durante 12 semanas. Nós geralmente temos duas turmas de 20 a 25 participantes fazendo esse curso online, todos os anos.

“As habilidades de tomada de decisões clínicas devem ser reconhecidas como as mais importantes das habilidades de um bom clínico.”

RACIOCÍNIO CLÍNICO: A Teoria do Processo Dual – TPD (proposta pelo ganhador do Prêmio Nobel, Daniel Kahneman – leia mais sobre ela CLICANDO AQUI) é bem conhecida por educadores, mas não pela comunidade médica em geral. Pelo menos aqui no Brasil, nós temos a impressão de que precisamos apresentar essa teoria em todos os níveis, desde o calouro de Medicina até o médico experiente que procura educação médica continuada. Quando e como você se deu conta dos processos mentais de raciocínio que os médicos desenvolvem em busca de um diagnóstico? E você acha que aprender como os médicos pensam pode ajudar os médicos no seu trabalho cotidiano?

DR. PAT CROSKERRY: Há várias abordagens em relação ao ensino sobre tomada de decisão, mas parece que a Teoria do Processo Dual é o modelo dominante e há muitas evidências na literatura convergindo para apoiar seu papel na cognição humana. Esse modelo é um bom ponto de partida para o ensino da tomada de decisões médicas.

Nós ensinamos aqui a TPD desde o início do curso de Medicina, e também para residentes e para os demais docentes da escola, no curso sobre Pensamento Crítico. Acreditamos que aprender sobre como nós pensamos pode nos tornar melhores pensadores e melhores médicos.

RACIOCÍNIO CLÍNICO: Nós já lemos muitos artigos seus sobre vieses cognitivos e sobre maneiras para evitá-los (cognitive debiasing), e esses textos abriram nossos olhos sobre o assunto. Baseado na sua grande experiência nessa área, quais são as estratégias mais úteis para diminuir o impacto dos vieses e prevenir erros no raciocínio diagnóstico?

DR. PAT CROSKERRY: Este é um tópico muito grande, e um dos mais importantes do nosso trabalho. A etapa realmente decisiva no processo de tomada de decisão é a capacidade do profissional desacoplar-se do Sistema 1 (os processos inconscientes e automáticos) de maneira que o Sistema 2 (os processos conscientes e deliberados) possa ver o que o Sistema 1 está fazendo.

Esse processo de distanciamento é o que chamamos de “metacognição” (“pensar sobre o que você está pensando”). Podemos fazer isso através da reflexão e da atenção plena (mindfulness). Eu lido com isso com mais detalhes em alguns dos capítulos de livros e artigos que eu escrevi.

(Dica dos editores: Um ótimo trabalho do Dr. Croskerry para quem quer entender um pouco melhor essa questão da prática reflexiva e da atenção plena é este artigo, publicado no New England Journal of Medicine em 2013.)

RACIOCÍNIO CLÍNICO: Quais são as armadilhas da “consulta de corredor” e como evitá-las? Que conselhos você daria para médicos que tratam outros médicos?

DR. PAT CROSKERRY: Consultas de corredor são perigosas e devem ser evitadas, a menos que seja necessário tratamento de emergência e não haja outra maneira. O médico envolvido acaba sofrendo pressão para tomar decisões muito rápidas (tipicamente usando apenas o Sistema 1), de maneira diferente da abordagem que ele usa rotineiramente para avaliar qualquer um dos seus pacientes.

A conduta mais adequada, quando alguém pedir a você uma consulta de corredor, é aconselhar a pessoa a procurar uma avaliação adequada, pelos meios habituais – isso diminui o risco de problemas sérios e acaba sendo melhor para o paciente, inclusive se ele também for médico.

“Acreditamos que aprender sobre como nós pensamos pode nos tornar melhores pensadores e melhores médicos.”

RACIOCÍNIO CLÍNICO: Na sua opinião, em que direção devem avançar a pesquisa e o conhecimento na área de raciocínio clínico?

DR. PAT CROSKERRY: Acredito que já seria muito bom se algumas discordâncias ainda existentes nesta área fossem resolvidas. Há alguns grupos isolados que ainda pensam que o processo diagnóstico NÃO é vulnerável a vieses cognitivos ou afetivos. Já foi suficientemente demonstrado, de maneira convincente, que vieses ocorrem em praticamente todas as áreas da atividade humana. Nenhum ser humano é imune à influência desses vieses, e médicos não são diferentes!

Trabalhando de maneira unânime, nós poderíamos nos dedicar de maneira mais direta a algumas das questões de pesquisa mais importantes, como, por exemplo: como medir a contribuição dos vieses cognitivos para as falhas de diagnóstico?

Como a “autópsia cognitiva” pode ser implementada para servir como uma análise de causa raiz (root cause analysis), nos casos de erro diagnóstico?

Qual é a abordagem mais adequada para ensinar e avaliar raciocínio clínico?

Quais são as melhores estratégias para redução do impacto dos vieses cognitivos, em Medicina?

Podemos efetivamente ensinar reflexão e atenção plena (mindfulness)?

Entre outras…

 RACIOCÍNIO CLÍNICO: Qual é o seu conselho para jovens médicos e estudantes de Medicina que queiram melhorar suas habilidades diagnósticas e se tornar bons diagnosticadores?

DR. PAT CROSKERRY: A Medicina precisa entender que, historicamente, as teorias sobre tomada de decisões não foram levadas em conta como algo particularmente relevante para o que os médicos fazem – ou, pelo menos, como algo que merecesse treinamento específico durante a formação médica. A maior parte do que sabemos hoje sobre a cognição médica veio de outro campo, da Psicologia Cognitiva.

Algumas pessoas defendem o ponto de vista de que cursos básicos de Psicologia e de ciência cognitiva façam parte da formação básica do médico, seja antes ou durante a faculdade de Medicina.

De qualquer maneira, nós precisamos entender que simplesmente ensinar conhecimento sobre doenças é insuficiente para formar diagnosticadores competentes. Nós também precisamos ensinar as pessoas a pensar!

Um sinal interessante de que algo está mudando é observar que os psicólogos cognitivos estão cada vez mais escolhendo a área médica como um campo de estudo e de pesquisa.

A esta altura, já deveria estar claro para toda a comunidade médica que as habilidades de tomada de decisão clínica são provavelmente as habilidades mais importantes de um bom médico, e que essas habilidades precisam ser sistematicamente ensinadas se nós quisermos que os médicos entendam como pensam e alcancem o nível de racionalidade necessário para tomar decisões bem calibradas.

uma breve biografia do dr. pat croskerry

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Patrick G. Croskerry obteve seu Doutorado em Psicologia Experimental pela McMaster University (Ontario, Canadá) em 1975, e depois formou-se em Medicina pela mesma escola em 1982.

Em seguida começou a trabalhar como médico emergencista em Halifax e em Dartmouth (Nova Scotia, Canadá), onde logo tornou-se Chefe do setor de emergência do Dartmouth General Hospital (1990 – 1999). Nesse cargo, Pat ficou surpreso com os casos de erros diagnósticos que iam parar na sua mesa.

Um dos motivos da surpresa foi o grande número de erros, de que ele não suspeitava. De fato, erros não costumam aparecer muito, pois nós, médicos, não temos a cultura de discuti-los abertamente.

Outro motivo foi a falta de explicação para muitos erros. Analisando os casos, ele constatou que alguns erros eram cometidos por médicos considerados excelentes pelos seus pares – com ótima formação e muito bem intencionados! Então, o problema não devia ser falha de formação dos profissionais e nem falta de vontade de ajudar os pacientes.

Foi então que Pat Croskerry dedicou-se a tentar entender por que até ótimos médicos cometem erros. Seu conhecimento prévio de psicologia cognitiva foi decisivo para seu trabalho nessa área.

Ele também é professor da Dalhousie University School of Medicine desde 1998. Nessa escola, desenvolve atividades com graduação e residência em Medicina e desenvolvimento do corpo docente, com enfoque na tomada de decisões médicas, erros diagnósticos, pensamento crítico e vieses cognitivos.

Em 2001, na Dalhousie University, criou o primeiro curso para alunos de graduação em Medicina sobre Erros Médicos do Canadá. Ele participa do Instituto Canadense de Segurança do Paciente (Canadian Patient Safety Institute) desde 2006, e é um dos principais colaboradores do congresso anual sobre Erros Diagnósticos em Medicina (Diagnostic Errors in Medicine Conference) desde sua primeira edição, em 2008.

Sua ampla bagagem, com experiência tanto em psicologia cognitiva como também diretamente com o atendimento de pacientes na emergência, além da sua longa lista de publicações sobre o assunto, o credencia como um dos principais experts mundiais em segurança do paciente e em raciocínio clínico diagnóstico.

Agradecemos imensamente ao Dr. Pat Croskerry pela gentileza em responder às nossas questões!

E continue ligado neste site, vem muito mais coisa boa por aí!

PARA SABER MAIS:

Croskerry P. From mindless to mindful practice–cognitive bias and clinical decision making. New England Journal of Medicine, 2013.

Croskerry P. Bias: a normal operating characteristic of the diagnosing brain. Diagnosis, 2014.

Croskerry P, Cosby KS, Graber ML, Singh H. Diagnosis: Interpreting the Shadows. Boca Raton: Taylor & Francis, 2017.

Croskerry P, Cosby KS, Schenkel S, Wears R. Patient Safety in Emergency Medicine. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2008.

Autores:

  • Fabrizio Almeida Prado
  • Leandro Arthur Diehl
  • Pat Croskerry
  • Pedro Alejandro Gordan

Você pode referenciar o artigo acima usando o Digital Object Identifier (Identificador de Objeto Digital) – DOI.

DOI: 10.29327/823500-20