Nas últimas semanas, a Folha de Londrina e a Gazeta do Povo publicaram reportagens sobre a nossa Cartilha para Pacientes, que traz 5 dicas práticas para os pacientes ajudarem seus médicos.

Mas será que essas orientações funcionam mesmo?…

Abaixo, contamos uma história verídica para ilustrar o efeito de uma dessas 5 dicas:

ESFORÇO DEMAIS

salvo por uma pergunta - caso clínico - raciocínio clínico

Humberto precisava de uma graninha extra e resolveu fazer um bico. Como qualquer caminhoneiro “raiz“, além de ouvir muito sertanejo, estava acima do peso e não fazia exercícios. Mas tinha 42 anos e era forte, o que o convenceu a ir ajudar o cunhado numa obra.

Num sábado, depois de horas carregando peso de um lado para outro, começou a sentir-se mal. Mesmo assim, continuou trabalhando.

No meio da tarde, começou a sentir uma dor no peito, forte, apertada, que ia para os dois braços.

Sentou-se na calçada, respirou fundo e, após um breve descanso, a dor passou.

Achou melhor ir para casa descansar. Mas logo que começou a andar, a dor voltou. Então ele pediu para o cunhado levá-lo ao hospital da cidade.

Lá, foi prontamente atendido por um médico bem jovem, com cara de recém-formado.

Humberto descreveu a dor (que já tinha melhorado) e falou do esforço físico intenso. Também contou que tinha pressão alta (e não tratava direito) e que fumava um maço por dia há 30 anos.

Depois de um rápido exame físico – inteiramente normal – o médico disse que “devia ser só um mau jeito” devido ao trabalho pesado e prescreveu-lhe um anti-inflamatório injetável e repouso.

É, faz sentido… pensou Humberto.

Mas, nesse momento, uma lembrança ruim veio à sua mente. Por isso, enquanto o médico já ia saindo, o caminhoneiro perguntou:

– Mas, doutor, será que é só isso mesmo? O que mais pode ser?…

O médico parou na soleira da porta, virou-se e olhou para ele, pensativo. Imediatamente chamou a atendente de enfermagem e pediu para trazer o aparelho de eletrocardiograma.

– Você é muito novo para ser alguma coisa séria. Mas vamos fazer um eletro só por via das dúvidas.

O médico ficou surpreso ao ver um nítido supradesnivelamento do segmento ST em V3 e V4. Era um infarto agudo do miocárdio!

Humberto recebeu todas as medidas para síndrome coronariana aguda e foi rapidamente encaminhado para o centro de referência, onde ganhou uma angioplastia e um stent.

Durante a internação, ele pensou muito no ocorrido. O momento decisivo estava claro na sua mente: foi quando ele lembrou do seu pai, tabagista como ele, que tinha morrido aos 46 anos de um“infarto fulminante”. Foi essa lembrança que levou Humberto a fazer uma simples pergunta ao médico.

No dia da alta, o caminhoneiro estava certo de um fato.

Essa simples pergunta tinha salvo a sua vida.

 

 

O que mais pode ser?

fechamento prematuro é uma das maiores causas de erro diagnóstico. É um viés de raciocínio que consiste em aceitar uma hipótese inicial como sendo verdadeira, encerrando o raciocínio clínico diagnóstico muito precocemente.

É querer “matar” o diagnóstico com uma explicação simples, rápida… e errada.

Por que isso acontece?

  • necessidade de tomar decisões rápidas em situações de urgência;
  • limitação de tempo (consultas muito curtas);
  • pressões externas (excesso de trabalho, cobrança por resolutividade);
  • fatores afetivos ou emocionais (cansaço, sono, estresse, reações emocionais negativas ao paciente);
  • limitações do conhecimento (conhecer poucas hipóteses alternativas);
  • excesso de confiança;
  • falta de comprometimento;
  • preguiça etc…

Há várias propostas para reduzir o impacto de vieses como o fechamento prematuro. Uma das estratégias antivieses mais recomendadas, mais usadas e mais custo-efetivas é o uso desta simples pergunta:

O QUE MAIS PODE SER?

Esta pergunta serve para “forçar” o profissional a considerar outras alternativas, além da primeira e mais óbvia. É uma medida que estimula a formulação do diagnóstico diferencial e diminui o risco de erros diagnósticos.

Afinal:

a causa mais comum para deixar passar um diagnóstico é não ter pensado nele!

CONCLUSÕES

Perguntar “o que mais pode ser?” é uma das 5 dicas práticas da nossa Cartilha para Pacientes. (Baixe a Cartilha para saber quais são as outras 4!)

Essa pergunta pode ser feita por qualquer um: pelo próprio médico, por outro profissional de saúde, ou pelo paciente – este, afinal, é o maior interessado num diagnóstico correto!

Portanto, fica aqui o nosso conselho (que é bom e é de graça):

  • Se você é médico (ou estudante de Medicina), crie o hábito de perguntar-se sempre “o que mais pode ser?” – mesmo em casos aparentemente simples! E ajude seus pacientes, dando a eles uma cópia da Cartilha!
  • E se você é paciente: imprima e use a nossa Cartilha antes de toda consulta ou atendimento médico. Isso pode eventualmente salvar sua vida!

ONDE POSSO BAIXAR A CARTILHA DO PACIENTE?

Para baixar gratuitamente nossa Cartilha para Pacientes, basta clicar no link abaixo:

mensagem de final de ano

2018 foi um ano de muitas realizações.

Tivemos a oportunidade de falar de raciocínio clínico em vários eventos importantes, publicamos muito, e passamos de 80 mil leitores no blog Raciocínio Clínico!

Esperamos que a nossa mensagem sobre a importância de estudar e aprender os fundamentos do raciocínio clínico diagnóstico esteja fazendo a diferença na vida dos nossos estudantes de Medicina e colegas médicos.

Queremos ajudar a Medicina brasileira a evoluir cada vez mais na direção da excelência, do compromisso com a segurança do paciente, e da redução dos erros diagnósticos.

Agradecemos a companhia e a audiência de todos os nossos leitores, e prometemos trazer muito mais em 2019!

Continue conosco nessa jornada!

E você? Já teve um caso assim, que parecia algo simples – mas não era? 

Comente abaixo, na seção de Comentários!

Autores:

  • Fabrizio Almeida Prado
  • Leandro Arthur Diehl
  • Pedro Alejandro Gordan

Você pode referenciar o artigo acima usando o Digital Object Identifier (Identificador de Objeto Digital) – DOI.

DOI: 10.29327/823500-49