Hoje, dia 31 de outubro, é o Dia das Bruxas (Halloween)!

Para marcar a data, o blog Raciocínio Clínico traz uma história horripilante contada pela Dra. Ligia Martin. Logo abaixo, tecemos nossos comentários sobre o caso. Confira!

Caso clínico: A noiva cadáver

Autora: Dra. Ligia Martin

Por muitos anos, trabalhei como médica voluntária do SVO (Serviço de Verificação de Óbitos) de uma cidade da região metropolitana de Londrina. Logo eu, que tenho pavor de velórios!

Então combinei com o agente funerário uma regra, que teria que ser sempre observada:

– Seu Zé, eu examino cadáver. Não examino defunto. Se colocar flores e velas, vira defunto e eu estou fora!

Na grande maioria das vezes, isso era respeitado. Mas naquela manhã fria, não foi bem assim. Seu Zé já chegou explicando:

– Dotôra, péssima notícia. O corpo já virou defunto. Está toda arrumadinha de noiva, com véu, flores e tudo mais. Já viu né, moça solteira, família pressiona, a gente faz o nosso serviço. O velório está correndo. Mas não tem problema não, a moça morreu em casa, o pai e o primo viram tudo e vão assinar os papéis do atestado como testemunha. Gente simples, do sítio, honesta e sem maldade. Pode confiar!

Sala cheia de gente, escura, cheiro de velas misturado com flores, muito choro.

Chego perto do caixão, me benzo e fico ali, esperando e pensando: o que eu ia escrever na declaração de óbito?…

Foi quando uma senhora se aproximou e puxou conversa:

– Coitadinha! Tão jovem, assim, de repente…

– Pois é, né?

– Tudo bem que andava desgostosa. O pai proibiu o namoro com o primo, imagina! Ela não saía mais de casa, não ia mais nem na missa! A gente assustou com a notícia de que saiu carregada hoje de manhã para o hospital.

De repente, comecei a prestar mais atenção na conversa.

– Como assim?

– Disseram que ela já chegou morta no hospital. Tentaram fazer voltar, não conseguiram. Foi quando trouxeram ela de volta pra casa, já no caixão.

E eu, num misto de raiva e surpresa:

– Tem certeza?

– Absoluta! Tem até uma carta do médico explicando tudo.

Logo depois, o pai da defunta me mostrou a carta, muito a contragosto.

Ao IML: Paciente deu entrada no PS em óbito.  Tentadas manobras de ressuscitação sem sucesso. HD: Óbito por envenenamento.”

– Seu Zé! Suspende o velório e leva o corpo para o IML. Com flores, vestido e tudo mais!!!

E ainda nem eram oito horas da manhã… [

Comentários

Na história acima, a Dra. Ligia escapou de entrar numa fria!

Sempre que há suspeita de morte por causas externas (violência, suicídio, trauma, intoxicação, afogamento, choque elétrico, queimadura etc.), a verificação de óbito deve ser feita pelo Instituto Médico Legal (IML) ou por perito nomeado pela justiça. Ou seja: o médico assistente ou do Serviço de Verificação de Óbito não deve fornecer a declaração de óbito.

Como vimos no caso, a família tentou ocultar do SVO que a paciente havia sido atendida em hospital e que a suspeita era de envenenamento. Afinal, se o cadáver fosse para o IML, isso iria causar dificuldades e atraso (pois o sepultamento só pode ocorrer após a verificação do óbito), sem falar no constrangimento de ter que explicar o que havia acontecido com ela.

O agente funerário, na pressa de concluir logo o serviço, também tentou convencer a médica de que a morte da mocinha havia sido por causas naturais. “Pode confiar!

Ainda bem que a médica ficou atenta aos seus arredores antes de preencher a papelada! Quem acabou esclarecendo o que realmente havia ocorrido foi a vizinha fofoqueira.

Portanto, fica a dica: na sua vida profissional, fique atento a todas as fontes de informação! Até os familiares e vizinhos que parecem não ter nada a ver com a história podem acabar revelando alguma pista decisiva para o diagnóstico correto.

Afinal, você não quer ter que conviver com o fantasma dos erros passados, não é?

Um ótimo Dia das Bruxas para todos os leitores do blog!

Sobre a autora:

Dra. Ligia Martin é médica dermatologista e docente da Universidade Estadual de Londrina (UEL), onde atualmente é Coordenadora do curso de Medicina.

 

PARA SABER MAIS:

Fundação Nacional de Saúde (FUNASA). Manual de Instruções para o Preenchimento da Declaração de Óbito. Brasília: Ministério da Saúde, 2001.

Autor:

Ligia Martin

Você pode referenciar o artigo acima usando o Digital Object Identifier (Identificador de Objeto Digital) – DOI.

DOI: 10.29327/823500-76