Esta é a continuação do Caso Clínico Interativo #5: Pedir ou não pedir, eis a questão!

Você pediria uma colonoscopia neste caso ou não? 

Confira abaixo se você teria feito a escolha certa neste caso:

CONTINUAÇÃO DO CASO

O médico optou por não solicitar uma nova colonoscopia. Segundo ele, o exame era desnecessário pois este paciente tinha uma colonoscopia perfeitamente normal, de apenas 2 anos atrás. Além disso, o paciente não tinha história familiar de câncer de cólon.

Oito meses depois, o paciente evoluiu com fadiga e dispneia aos esforços com piora progressiva. Um novo hemograma nesta ocasião mostrou HB = 7g/dL.

Ele recebeu transfusão de sangue, reiniciou reposição de ferro endovenoso e realizou nova EDA e um exame com cápsula endoscópica, que resultaram normais. Algumas semanas depois, estava se sentindo melhor com HB = 10g/dL.

No entanto, alguns meses depois – e cerca de dois anos depois do início desta história – o homem começou a ter dispneia novamente e buscou novo atendimento. Desta vez, sua hemoglobina estava em 7,5g/dL. Ele foi transfundido novamente, com melhora.

Dois dias depois, este paciente deu entrada no pronto-socorro com um quadro de abdome agudo obstrutivo. Na avaliação, encontrou-se uma massa em sigmoide.

Foi feita cirurgia de urgência para ressecção da massa. O anatomopatológico confirmou adenocarcinoma de cólon.

Depois disso, o paciente evoluiu bem e continua em remissão.

DIAGNÓSTICO FINAL

Anemia ferropriva por adenocarcinoma de cólon.

COMENTÁRIOS

Este homem de 80 anos apresentou anemia microcítica, cuja causa (câncer de cólon) só foi descoberta dois anos após a apresentação inicial.

O primeiro passo na avaliação de uma anemia de início recente em idoso é definir sua etiologia. Para isso, história clínica e exame físico bem feitos são essenciais, juntamente com a análise cuidadosa do hemograma e alguns exames como: reticulócitos, função renal, perfil de ferro, vitamina B12, folato e provas inflamatórias.

A causa mais comum (e a mais provável neste paciente) é a anemia ferropriva, que pode ser causada por ingesta inadequada, má-absorção ou perda crônica de sangue. 

Em idosos com anemia ferropriva, é fundamental a pesquisa de focos de sangramento oculto no trato gastrointestinal (TGI), fonte mais frequente de perda crônica de sangue. Cerca de 20% a 40% têm origem no TGI superior (esôfago, estômago e duodeno) e 15 a 30% vêm do cólon.

Infelizmente, nem sempre essa pesquisa é feita de forma imediata. Um estudo seguiu 300 pacientes que procuraram um clínico geral com queixa de sangramento retal e observou que uma colonoscopia foi solicitada em apenas 74% dos casos, e apenas 56% dos pacientes realizaram esse exame dentro de um ano.

Como nem sempre o paciente tem sintomas indicando a fonte do sangramento, e como nem sempre é claro se um achado num exame endoscópico representa a verdadeira causa de um sangramento oculto, os guidelines recomendam que a investigação seja feita com endoscopia dupla (alta + baixa) na maioria dos idosos com anemia ferropriva.

Nos casos em que um foco de perda sanguínea não seja identificado nem à endoscopia digestiva alta (EDA) e nem à colonoscopia, pode ser necessária a investigação do intestino delgado, usando a cápsula endoscópica ou outros métodos.

É importante ressaltar que a cápsula endoscópica (realizada neste caso) é um bom método para visualização do intestino delgado, mas geralmente não consegue visualizar adequadamente o cólon.

No caso que relatamos, o paciente apresentou uma gastrite leve na primeira EDA, que deve ter sido interpretada pelo médico como sendo a fonte do sangramento (especialmente levando em conta que o paciente usava anticoagulante). Esta impressão provavelmente reforçou a decisão do médico de não repetir a colonoscopia, que era normal dois anos antes.

No entanto, temos que lembrar que o tempo muitas vezes é uma grande ferramenta auxiliar no diagnóstico. A falta de melhora com o tratamento prescrito (inibidor de bomba de prótons e reposição de ferro) deveria ter feito o médico prontamente reconsiderar a causa da perda de sangue deste paciente.

...Mas ele tinha uma colonoscopia recente normal!

Outro comentário importante é que o fato de ter uma colonoscopia normal há dois anos, como vimos aqui, não deve servir como evidência definitiva de que um paciente não tem câncer de cólon.

Existe uma parcela dos casos de câncer que surgem e causam sintomas no intervalo de tempo entre um exame de rastreamento prévio e o tempo previsto para a realização do seguinte. Essa situação é chamada de “câncer intervalar”.

No caso do câncer de cólon, a recomendação para rastreamento é de colonoscopia a cada 5 anos a partir dos 50 anos (ou antes se houver fatores de risco). Mesmo assim, a literatura médica relata que 6% dos tumores aparecem entre 6 meses e 5 anos após uma colonoscopia normal. O câncer intervalar do cólon parece ser mais comum no cólon direito, em pessoas com 60 anos ou mais, e se o exame foi feito por médico inexperiente ou de forma incompleta.

Portanto, o surgimento de uma anemia nova neste paciente (um sintoma comum do câncer colorretal) deveria ter sido imediatamente investigado com EDA e colonoscopia – mesmo com um exame recente normal.

ÚLTIMOS COMENTÁRIOS

Finalmente, um pouquinho de humildade intelectual aqui também teria sido uma grande ajuda.

É da natureza humana querer estar certo, mas para ajudar nossos pacientes, temos que ajustar nosso mindset.

Admitir que podemos estar errados pode ser o primeiro passo na busca da verdade e do conhecimento.

Cuidado para não errar por excesso de certeza! Ficar excessivamente preso a uma hipótese diagnóstica inicial, deixando de reavaliar sua impressão diagnóstica quando surgem novos dados contrários, é um viés cognitivo chamado “ancoragem”, uma causa frequente de erro diagnóstico.

Quando você estiver muito convencido de alguma coisa, pergunte a si mesmo:

Se o médico deste caso tivesse feito essa simples pergunta, talvez o paciente em questão não tivesse demorado dois anos para fazer um diagnóstico de câncer de cólon.

Quer ler mais sobre outras estratégias para prevenção de erros diagnósticos?

CLIQUE AQUI para conhecer o checklist do diagnóstico seguro!

Caso traduzido e livremente adaptado a partir do seguinte caso clínico publicado no AHRQ/Patient Safety Network (PSNet):

Pathipati MP, Richter JM. Anemia and delayed colon cancer diagnosis. PSNet, 2019.

PARA SABER MAIS:

Percac-Lima S, Pace LE, Nguyen KH et al. Diagnostic evaluation of patients presenting to primary care with rectal bleeding. J Gen Intern Med, 2018.