Dia desses, passando visita no hospital universitário, os internos me passaram um caso de um senhor idoso que havia sido internado para investigar uma adenomegalia supraclavicular.
Eles estavam preocupados (com razão) com a possibilidade de câncer, mas estavam com muitas dificuldades em decidir que exames pedir primeiro. Ultrassom? Sorologias? Endoscopia e colonoscopia? PET-scan?…
Então perguntei a eles:
– Já ouviram falar da Lei de Sutton?
Os internos nunca tinham ouvido falar (nem os residentes).
Então expliquei a eles, não sem contar a curiosa história de Willie Sutton.
A Lei de Sutton, muito conhecida e citada em escolas médicas mundo afora (especialmente nos Estados Unidos), diz que, ao investigar um diagnóstico, deve-se primeiro considerar aquilo que é mais óbvio.
Ou seja: ao escolher quais testes pedir, devemos pedir primeiro aqueles testes com maior probabilidade de confirmar rapidamente uma hipótese diagnóstica altamente provável.
Se um paciente tabagista tem uma massa pulmonar de causa desconhecida, por exemplo, é melhor pedir logo uma biópsia pulmonar do que fazer tomografias do corpo inteiro para procurar por outras lesões.
Em outras palavras:
Se o paciente tem uma lesão óbvia no pulmão, avalie esta lesão primeiro – e só depois procure por outras, se precisar.
O uso da Lei de Sutton permite um uso mais racional dos exames complementares, começando pelos exames com maior probabilidade de confirmação diagnóstica (indo primeiro onde já sabemos que a doença está).
Também ajuda a reduzir o tempo e os custos da investigação, pois outros exames com menor poder diagnóstico acabam sendo dispensados, ou feitos apenas num segundo momento.
Essa lei também serve para priorizar testes quando os recursos são escassos, de tal maneira que testes para condições tratáveis são realizados antes de testes para condições igualmente prováveis mas com menor resposta ao tratamento.
E assim chegamos à parte mais interessante desta história: a origem dessa lei.
Willie Sutton, apesar da sua influência na clínica, não era médico.
Na verdade, ele não tinha absolutamente nada a ver com Medicina. Seu campo de atuação era bem diferente: ele era assaltante de bancos.
É isso mesmo! Calma, vou explicar.
Em uma das tantas vezes em que Willie Sutton foi preso, nos Estados Unidos dos anos 30, um repórter teria perguntado a ele por que ele gostava tanto de assaltar bancos:
– Porque é lá que o dinheiro está!
Essa resposta acabou ganhando grande popularidade na época, sendo reproduzida em todos os jornais.
Mais tarde, um clínico astuto, o Dr. William Dock, lembrou dessa história ao se ver diante de uma jovem portorriquenha internada em Yale para investigar uma doença hepática misteriosa, que ainda não havia sido diagnosticada apesar de inúmeros testes.
Dock fez a seguinte sugestão:
– Vá onde o dinheiro está!
Nesse caso, como a doença da moça era no fígado, isso significava realizar uma biópsia hepática.
A biópsia foi realizada e acabou revelando a origem da misteriosa doença: esquistossomose.
Willie Sutton nasceu em Nova Iorque em 1901 e começou sua vida no crime muito cedo. Antes dos 30 anos, já era um assaltante experiente.
Gostava de usar disfarces para cometer seus assaltos: carteiro, policial, diplomata, lavador de janelas (tanto que seu apelido era “o Ator”).
Andava sempre bem vestido. As vítimas o descreviam como “um cavalheiro” e diziam sentir-se “como se estivessem num filme” durante os assaltos.
Durante sua vida, Willie Sutton afirma ter roubado mais de 2 milhões de dólares.
Foi preso várias vezes e fugiu três vezes da prisão.
Ele entrou na lista dos dez fugitivos mais procurados dos Estados Unidos assim que essa lista foi criada pelo FBI, em 1950.
Acabou sendo capturado em 1952 e condenado à prisão perpétua – e mais 135 anos!
No entanto, saiu em liberdade condicional em 1969 por problemas de saúde.
Sutton morreu em 1980, aos 79 anos, depois de publicar dois livros sobre sua vida.
Na sua autobiografia, escrita depois de receber liberdade condicional, Sutton negou que tivesse dito a famosa frase ao repórter:
“A ironia de usar uma frase de ladrão de banco como um instrumento para ensinar Medicina é ainda maior, pois preciso confessar agora o fato de que eu nunca disse essa frase.
O crédito por ela é de algum repórter que aparentemente sentiu a necessidade de melhorar sua história. Eu nem lembro onde eu li essa frase pela primeira vez. Ela simplesmente apareceu um dia, e de repente estava em todo lugar.
Se alguém tivesse me perguntado, eu provavelmente teria dito isso mesmo. É o que qualquer um diria… não poderia ser mais óbvio.”
Mas então, por que ele roubava bancos? A resposta também está na sua autobiografia:
“Eu fazia porque gostava. Eu amava isso! Me sentia mais vivo quando estava dentro de um banco, fazendo um assalto, do que em qualquer outro momento da minha vida.”
Voltando ao nosso paciente com adenomegalia do começo desta história, os internos acharam bem mais fácil decidir qual teste pedir primeiro quando aplicaram a Lei de Sutton.
– Já que é para ir onde a doença está, e nós sabemos que ele tem uma doença nesse gânglio supraclavicular, por que não biopsiamos o gânglio?
A biópsia foi realizada e mostrou tratar-se de um linfoma não-Hodgkin.
O paciente foi rapidamente estadiado e encaminhado para tratamento, e vários exames que foram inicialmente considerados (sorologias, endoscopia, colonoscopia) não precisaram ser feitos.
Ótima escolha!
O que nos prova que sempre temos alguma coisa a aprender com as outras pessoas – até mesmo com ladrões de banco!
Rytand DA. Sutton’s or Dock’s Law?New England Journal of Medicine, 1980.
FBI Famous Cases and Criminals. Willie Sutton.
Sutton W, Lynn E. Where the money was. New York: Broadway Books, 2004.
Autor: Leandro Arthur Diehl
Você pode referenciar o artigo acima usando o Digital Object Identifier (Identificador de Objeto Digital) – DOI.
DOI: 10.29327/823500-84
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