relação médico-paciente - raciocínio clínico

A boa relação médico-paciente não aparece do nada, por acaso. Ela é construída por bons profissionais, que procuram sempre expandir sua visão e conhecer melhor o ser humano enfermo.

No post de hoje, vamos diferenciar autoridade de autoritarismo, compreender melhor as percepções e medos dos pacientes, e entender o que é necessário para conseguir estabelecer uma relação de autêntica parceria com o doente.

 

Autoridade x autoritarismo

autoritarismo médico, diferente da autoridade, é um modo de agir que impõe as opiniões ou condutas, não dá espaço a perguntas ou questionamentos e não está aberto a divergências, mesmo com colegas. Isso obviamente é ruim! Infelizmente, pessoas e médicos arrogantes existem, sempre existiram e sempre existirão.

Já a autoridade é uma característica inerente ao posto ou à qualificação de uma pessoa. No caso dos médicos, ao menos em tese, são eles que têm competência e autoridade para tratar dos assuntos relacionados à saúde. Por isso, são procurados e respeitados. Com a autoridade legítima não vem o autoritarismo, mas sim a responsabilidade e a humildade.

 

Médicos são autoritários?

Muitos relacionam a Medicina antiga com o autoritarismo. Estudiosos, principalmente da bioética, chamam isso de paternalismo.

Mas será o autoritarismo uma característica dos tempos antigos? Será ele algo próprio da Medicina, e que só em tempos modernos tem mudado?

Acredito que nossa imaginação tenha sido semeada com visões terríveis de médicos segurando à força seus pacientes e realizando procedimentos dolorosos e sem consentimento.

relação médico-paciente - raciocínio clínico

Porém, isso não é de todo verdadeiro, e de forma alguma faz parte da boa Medicina.

Veja um exemplo:

“A vida é breve, a Arte é longa, a oportunidade é fugaz, a experiência é traiçoeira e o juízo é difícil. O médico deve estar pronto a não somente cumprir seu dever, mas também a assegurar a cooperação do paciente, dos auxiliares e de familiares (outros).” 

Você deve conhecer pelo menos o começo dessa frase, não é? É o primeiro dos aforismos de Hipócrates! E esse texto, datado do século IV a.C., já deixa clara a necessidade de participação dos pacientes.

Poderíamos citar ainda outros exemplos antigos que mostram a importância do médico se portar bem, a possibilidade de os pacientes recusarem tratamento (muitas vezes necessitando serem persuadidos) e a educação dos leigos sobre a saúde.

 

Como é a relação médico-paciente hoje?

Sabemos que é importante que os pacientes manifestem suas preocupações e participem das decisões, mas será que isso sempre acontece?

Se por um lado muitos pacientes gostam de verdade de seus médicos e conseguem estabelecer um bom relacionamento, por outro lado não é raro ouvirmos pacientes queixarem-se de seus médicos. As queixas podem dizer respeito às informações recebidas, ao tempo dedicado à consulta ou à falta de envolvimento do paciente nas escolhas relacionadas ao diagnóstico e tratamento.

O fato é que médicos autoritários existem, e tomam atitudes que acabam dificultando uma relação saudável e produtiva com o paciente, levando até mesmo a mágoas e ofensas.

 

Os medos dos pacientes

Por mais que se fale de abertura, interação, engajamento do paciente, é importante reconhecer que muitas pessoas têm inúmeros receios ao lidar com seus médicos. Pacientes têm medo de que suas atitudes e questionamentos possam interferir na relação com o médico e piorar o cuidado recebido.

Fique atento! Essas são percepções de base, que o paciente já traz de casa, independentemente até das ações do médico. Sabendo isso de antemão, você, como médico, pode se antecipar e deixar claro que aprecia a interação e está aberto a questionamentos. Pode ser que você não saiba ou não tenha tempo de responder tudo. Não há nenhum problema nisso! Mas de alguma maneira, isso fará transparecer que você acolhe e valoriza as dúvidas e os receios do paciente.

 O medo de ser rotulado

Os pacientes muitas vezes querem fazer perguntas ou expressar suas dúvidas, mas pelo receio de serem rotulados de “difíceis”, podem preferir adotar o papel do “bom paciente”.

(Afinal, “ser paciente” é comumente entendido como ter paciência, esperar e não fazer muitas perguntas!)

Muitos pensam que fazer perguntas e pedir explicações seja desafiar a autoridade, a expertise do médico. Evitam assim o diálogo, por medo de desagradar e gerar ressentimentos. 

O desafio de ser ouvido

Médicos são mais criticados por falarem muito do que por falarem pouco. A sensação de autoritarismo surge quando o paciente não se sente ouvido, compreendido e respeitado.

Muitos pacientes suspeitam que seus médicos não sabem tudo e podem não estar certos, por isso sentem necessidade de buscar mais informações, perguntar e obter explicações melhores. Quando não têm essa oportunidade, sentem-se numa luta com o profissional, e, por não poder enfrenta-lo, passam a simplesmente aceitar e resignar-se com as decisões.

Estar sempre com pressa é outro grande obstáculo. O tempo insuficiente com o médico inibe as pessoas e limita a interação do paciente.

 

A busca de informações

relação médico-paciente - raciocínio clínico

Com a facilidade da internet, muitas pessoas buscam informações, mesmo em fontes não confiáveis, sobre seus problemas de saúde e tratamentos. Com todo esse trabalho, elas querem compartilhar e esclarecer com os médicos suas dúvidas.

Não podemos desprezar, menosprezar ou ridicularizar a influência do mundo digital. Quando bem utilizado, ele pode ser um aliado útil para o paciente. Se de alguma maneira nós, médicos, somos procurados por pacientes portando informações que encontraram no Google, devemos aproveitar essa oportunidade para ajuda-los a discernir quais fontes são boas e quais nem tanto, e dar apoio quando o paciente estiver usando alguma informação de qualidade em seu proveito. Nós mesmos podemos ser ajudados nesse processo! Existem muitos sites que prestam um serviço valioso aos pacientes, ajudando-os a entenderem e cuidarem melhor de seus problemas e aderirem melhor aos tratamentos. Basta encontrá-los!

 

O acompanhante pode ser um aliado

É frequente pacientes levarem o cônjuge, filhos e até amigos às consultas. Isso é compreensível e até mesmo desejável. Os acompanhantes ajudam a lembrar detalhes e fatos, auxiliam o paciente no tratamento e na realização de exames, e podem ser seus aliados na hora de convencer seus pacientes a mudarem seu estilo de vida ou usarem tratamentos percebidos como indesejáveis (por exemplo, insulina). Além disso, eles são capazes de fazer perguntas pertinentes que a pessoa doente pode esquecer de fazer pelo fato de estar assustada, ansiosa ou preocupada.

Não veja os acompanhantes como uma dificuldade ou afronta. Dê um jeito de tê-los no seu lado e que todos joguem pelo mesmo time, visando ao bem do paciente.

 

Conclusões

A sensação de autoritarismo surge quando os pacientes não se sentem compreendidos e não conseguem participar ativamente do seu cuidado. Mas lembre-se: deferência à autoridade não é uma parceria genuína e pode ser simplesmente uma reação de defesa contra possíveis (mesmo que improváveis) retaliações da parte do médico.

A boa relação médico-paciente tem um papel de cura, alívio e conforto, e é construída na interação honesta entre dois seres humanos. Devemos ser parceiros e guias dos pacientes nas suas jornadas. Compreender os medos e desafios dos nossos pacientes é um passo essencial para romper barreiras e garantir uma atitude de abertura, sinceridade e confiança.

 


PARA SABER MAIS:

Frosch DL, et alAuthoritarian physicians and patients’ fear of being labeled ‘difficult’ among key obstacles to shared decision making. Health Affairs, 2012.

Angotti Neto H. A opressão hipocrática? SEFAM – Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina, 2017.

Autor: Fabrizio Almeida Prado

Você pode referenciar o artigo acima usando o Digital Object Identifier (Identificador de Objeto Digital) – DOI.

DOI: 10.29327/823500-41