Há poucos dias, ao iniciar uma aula sobre comunicação para estudantes do primeiro ano, perguntei-lhes o que entendiam sobre a relação-médico paciente. Como gerar uma conexão verdadeira com o paciente? Como desenvolver essa habilidade? O que gostariam de saber sobre o assunto?

As respostas foram muito semelhantes: confiança, respeito, auxílio, informações, empatia, conexão, diagnóstico, humanização, buscar o bem do paciente como um todo, vínculo, zelo, cuidado, relação construída, pilar da medicina.

Não é de estranhar. Todos sabem, intuitivamente ou por já ter tido a experiência de ser paciente, o que se espera em uma relação desse tipo.

É uma relação de cura – e temos que redescobrir esse poder curativo do contato humano, do auxílio, da conexão.

É a nossa presença, enquanto médicos, fazendo a diferença na vida dos outros.

Neste artigo vamos falar um pouco sobre o que é exatamente essa presença.

Também vamos falar um pouco sobre estratégias de comunicação com o paciente. Mas não se assuste!

Vamos focar em estratégias simples e eficazes que você pode usar no dia a dia para aumentar sua presença e facilitar sua conexão. 

Continue lendo para conhecer 5 segredos para uma conexão eficaz com seu paciente!

Tudo é sertão, tudo é paixão, se o violeiro toca

A viola, o violeiro e o amor se tocam

 

Almir Sater / Renato Teixeira

de onde tiramos estas dicas para conexão?

 

Abraham Verghese - Raciocínio Clínico

Muitas das dicas que daremos aqui são oriundas da nossa vida, da nossa experiência, mas também acrescentamos muitas referências, das quais enfatizamos as três mais importantes no final do artigo. São pesquisas que contam com a participação de um médico que admiramos muito: o Dr. Abraham Verghese, professor da escola de Medicina de Stanford, na Califórnia. 

Se você nunca ouviu falar do Dr. Verghese, veja este TED Talk sobre a importância do toque! Aproveite para conhecer também seu site – Stanford 25 – onde ele trata de habilidades essenciais como a comunicação e o exame físico.

Por fim, tenha em mente que o bom exercício da medicina também faz bem ao próprio médico, que encontra sentido no que faz e assim vive melhor!

PRESENÇA

A primeira condição para que haja uma relação significativa é a presença.

Num artigo muito interessante há pouco publicado, os autores entrevistaram médicos e profissionais não-médicos sobre este assunto, de modo que todos manifestassem seus pensamentos sobre o que ocorre na sua própria profissão e não só na medicina.

Presença parece ser algo como estar atento, no ritmo adequado; é um ouvir para compreender, um silêncio compassivo que se origina de uma prática contemplativa.

Os autores reuniram as várias impressões e chegaram a esta bela definição de presença:

 

“Presença é a prática proposital de atenção, foco e consciência, com a intenção de compreender e conectar com pacientes/indivíduos."

Observe quantos pontos importantes nesta definição: é uma prática deliberada, cujos meios – atenção, foco e consciência – devem ser repetidos e desenvolvidos para alcançar o objetivo de compreender e conectar com qualquer pessoa – para nós, especialmente com pacientes.

Portanto, são três os elementos básicos que compõem a presença:

  1. Propósito de conectar: Queira de verdade estabelecer uma conexão; remova as distrações, exteriores e interiores; ouça de verdade; esteja atento e focado na história, na pessoa do paciente;
  2. Estar no presente: Retorne ao momento; volte de considerações futuras ou passadas; remova outros pensamentos; tenha pausas entre atendimentos; não tenha medo do silêncio;
  3. Cuidar do ambiente: Aproxime-se; crie um espaço único, onde quer que esteja, para você e o paciente; as tecnologias devem ajudar (e não atrapalhar), portanto cuidado com computador e celular.

CONEXÃO

Presença é a chave para a conexão, e conectar-se é satisfazer duas necessidades:

  1. Paciente: necessita conectar-se com o médico, ou seja, encontrar alguém que o entenda, ajude e cuide.;
  2. Médico: necessita encontrar sentido no que faz. Sentido é algo que todos buscamos; é a alma da nossa existência, é o que garante a nossa sanidade e nos dá perseverança na vida.

Você já percebeu que aí alcançamos (e até estendemos) o propósito do encontro clínico?

Infelizmente, muitas vezes nos deparamos com uma visão dualista da Medicina, como se fosse uma disputa: ciência vs. humanidade.

Mas não é nada disso!

Um avião precisa das duas asas para voar. Sem uma delas, não é sequer avião.

Se não for assim, os médicos acabam tendo uma visão muito superficial do ser humano, como já era percebido no séc. XVIII:

"They are shallow Animals: having always employed their minds about Body and Gut, they imagine that in the whole system of things there is nothing but Gut and Body."
S. T. Coleridge
Poeta e filósofo inglês

Com uma boa conexão com nosso paciente, conseguiremos construir uma boa história – um dos  três pilares do diagnóstico correto.

Médico e paciente conectados terão uma boa experiência, o que contribui para maior qualidade na atenção e mais saúde.

Unimos novamente ciência/técnica e humanidade, para o paciente e para o médico, assim como deve ser.

"A medicina é a mais humana das ciências e a mais científica das humanidades."
Edmund Pellegrino
Bioeticista americano

Os 5 segredos da conexão efetiva com seu paciente

Um trabalho publicado este ano no JAMAJournal of American Medical Association – propõe 5 práticas que podem ajudar você a melhorar sua conexão com seus pacientes.

Não se surpreenda com a simplicidade delas! Todas foram baseadas em estudos demonstrando sua eficácia em gerar conexão efetiva.

Essas práticas levam em consideração elementos de:

  • Introspecção e atenção plena (mindfulness);
  • Preparo prévio à visita;
  • Conexão não-verbal;
  • Tomada de perspectiva;
  • Estabelecimento de uma parceria.

1. PREPARE-SE

O primeiro segredo é preparar-se antes do encontro com seu paciente. Abaixo, algumas maneiras de fazer isso:

  1. Reveja o prontuário e a evolução rapidamente para se familiarizar com quem você irá se encontrar. É uma revisão rápida, mas não deixe de incluir aí quem é o paciente. Ou seja: pense nas metas do tratamento e nas circunstâncias pessoais deste paciente. Isso vai ajudar a iniciar seu processo de presença e conexão.
  2. Em alguns locais, o paciente responde questionários (em papel ou eletrônicos) antes da consulta sobre suas principais preocupações e outros detalhes pertinentes. Esta pode ser uma boa estratégia.
  3. Aproveite este momento para pausar e focar.

Não sabe pausar e focar? Então, seguem duas dicas simples:

  • Inspire e expire profundamente 3 vezes. essa medida tão simples reduz a ansiedade e o stress e melhora a sensação de bem-estar. 
  • Crie um ritual. Em muitas religiões existe um ritual de purificação. Ora, não temos que lavar as mãos como medida higiênica? Aproveitemos então este momento para respirar fundo, acalmar e nos preparar para este momento sagrado da Medicina: o encontro com o paciente.

2. OUÇA DE VERDADE

O segundo segredo é ouvir com atenção, e com a intenção de compreender e conectar-se. Ouça completamente!

Num artigo anterior sobre como ouvir o paciente , você pode encontrar mais dicas sobre isso, tais como: 

  • Não interrompa;
  • Adote uma postura receptiva: sente-se, se for possível. Nada de braços cruzados ou impaciência! Incline-se, demonstre ao paciente que você está pronto para ouvir.
"O avanço tecnológico mais importante na Medicina Interna foi a invenção da cadeira. Para você sentar. Enquanto ouve a história do paciente."
Mark Reid
Médico e escritor americano

3. DESCUBRA O QUE IMPORTA

O terceiro segredo é descobrir o que realmente importa para o seu paciente.

Procure incorporar as metas, preocupações, medos e objetivos deste indivíduo em particular.

Partilhe as prioridades do seu paciente.

4. CONECTE-SE COM A HISTÓRIA

Compreenda a história de vida do seu paciente. Identifique as circunstâncias que afetam a sua saúde e o seu tratamento.

Reconheça os esforços e celebre as vitórias, mesmo as pequenas!

Você sabia que uma comunicação positiva, estimuladora, contribui para maior confiança dos seus pacientes e melhor adesão ao tratamento?

A Medicina Narrativa é um bom meio para desenvolver essa habilidade de ouvir e interpretar histórias dos seus pacientes. Não deixe de conferir o que já publicamos sobre esse tema!

5. FIQUE ATENTO ÀS EMOÇÕES

Este é o quinto e último segredo para uma conexão efetiva com o seu paciente: identifique as suas reações emocionais, inclusive as corporais.

Valide-as, dizendo que compreende.

Caso esteja em dúvida, não hesite em perguntar.

Os pacientes apreciam os esforços médicos para notá-los e compreendê-los, mesmo que você não acerte sempre.

Vale lembrar que isso é um aprendizado e ocorre em paralelo ao próprio amadurecimento do profissional! Mas você pode aprender mais rápido se estiver focado e buscando aprender um pouco com todos os seus pacientes.

SERÁ QUE FUNCIONA?

Como dissemos no início, as práticas de conexão e comunicação interpessoal apresentadas aqui foram estudadas e têm evidências de eficácia.

Numa revisão sistemática recente com 73 estudos, muitos deles ensaios clínicos randomizados, o Dr. Verghese e seus colegas avaliaram o efeito de várias intervenções sobre aquilo que se denomina meta quádrupla da saúde (quadruple aim of healthcare).

Meta Quádrupla

Todas essas intervenções eram direcionadas à comunicação. Alguns exemplos: entrevista motivacional, cuidado centrado no paciente, habilidades de comunicação, decisões partilhadas, técnicas específicas de comunicação, mindfulness.

Veja o resumo dos resultados que eles encontraram:

1. Resultados na saúde

As intervenções que exigiram demanda ou esforço moderado a alto, de tempo e recursos, tiveram bons resultados em desfechos como controle de diabetes e obesidade, saúde mental, entre outros. Ainda, têm grande potencial de reduzir erros diagnósticos.

2. Experiência do paciente

Este termo designa a percepção que os pacientes têm do cuidado recebido, do serviço e do profissional que os atendeu.

É interessante que muitos treinamentos que melhoraram este item também melhoraram desfechos na saúde, custos e até a satisfação do profissional.

Uma intervenção de baixa demanda utilizou muitos elementos que comentamos nas 5 práticas acima, tais como: conhecer a lista de preocupações do paciente, evitar interrupções no início, não iniciar o processo diagnóstico antes de ouvir bem o paciente (o que evita o famoso viés do fechamento prematuro). Os resultados na experiência do paciente foram muito bons!

3. custos

Certamente precisamos nos preocupar com custos, principalmente com uso desnecessário de exames e desperdício. Algumas intervenções reduziram custos, outras não aumentaram. Também foi usado o tempo de consulta como marcador de custo: muitas intervenções não alteraram esse tempo, algumas diminuíram, e umas poucas aumentaram. Aqui também houve melhora em alguma das outras 3 metas.

4. satisfação do médico

Estratégias gerais de comunicação melhoram a satisfação do médico, suas habilidades de comunicação e reduzem stress e burnout.

A porcentagem de médicos e profissionais de saúde com ansiedade, depressão e burnout é muito grande e isso é preocupante. Entre várias causas possíveis, como a sobrecarga de trabalho, uma se destaca: a despersonalização do profissional (e do paciente), a perda de sentido da profissão.

5-segredos-para-conexao-efetiva-medico-paciente-raciocinio-clinico

Finalmente: muitos pensam (erroneamente) que empatia, comunicação e temas afins são coisas inatas ou algo que se traz “de casa”. Nada mais falso!

Uma profissão complexa como a nossa (e outras) demanda treinamentos específicos.

Isso significa que você pode – e deve! – aprender.

UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE O SENTIDO

Finalmente, vamos falar um pouquinho sobre o sentido – da sua vida, do seu trabalho.

Como diz esplendidamente a autora do livro “Garra“:

“Buscamos o sentido de cada dia assim como buscamos o pão de cada dia.”
Angela Lee Duckworth
Psicóloga e escritora americana

O Dr. Viktor Frankl, médico e prisioneiro dos campos de concentração, observava os detentos morrerem rapidamente assim que perdiam a esperança ou o sentido da vida. Encontrou, a partir de seus estudos e da observação direta da condição humana, as nossas maiores fontes de sentido:

  • amor ou relações humanas,
  • trabalho/criação, e
  • o sofrimento.

Mais recentemente, Jordan Peterson, no seu livro Mapas do Significado, também explora a partir de mitos, histórias, psicologia e neurociências, como os seres humanos interpretam e reinterpretam suas próprias vidas, dando sentido ao novo, inexplorado e perigoso.

Qual, pois, o sentido da Medicina?

E por que a perda desse sentido leva à desestruturação do médico?

Não somos apenas corpo e entranhas. Não esqueçamos da filosofia e da ética – a boa, que auxilia nosso pensar e caminhar.

Sem me alongar, tomo uma analogia: a ferramenta certa para a tarefa certa, a relação entre finalidade e meio.

Podemos martelar um prego com um taco, uma chave de roda? Martelar é só com martelo; se usamos um instrumento de maneira errada, estragamos a ferramenta ou o objeto.

Nós, médicos, somos ferramentas feitas para cuidar de pessoas. Só que isso requer tempo, ambiente, dedicação e comunicação adequados.

Requer conexão!

Já se esqueceu da letra da música no início do artigo? O que ela quer dizer?

O encontro clínico, médico-paciente, viola-violeiro, gera uma nova realidade.

Aí há cuidado, preocupação, paixão pela arte, o tempo fica suspenso… sertão, paixão… a viola e o violeiro e o amor se tocam…

CONCLUSÃO

Talvez você possa achar meio utópico tudo isso. Tentei mostrar que não, e com evidências. Mas concordo que nem sempre haverá essa conexão. O paciente pode não querer isso, ou pode não gostar de você; tudo bem!

Mas se você buscar a perfeição em todos os seus encontros clínicos, você vai encontrá-la algumas vezes, e talvez chegar bem perto em muitas outras.

Se não a buscarmos, nunca a encontraremos…

Pense bem: buscar a excelência na sua prática é o seu sentido, a sua alegria, e um dos fundamentos da sua saúde mental.

Conecte-se!

PARA SABER MAIS:

GOSTOU?

Então aproveite para baixar agora mesmo, gratuitamente, um arquivo PDF com estes 5 segredos para uma conexão efetiva com seus pacientes!

Autor: Fabrizio Almeida Prado

Você pode referenciar o artigo acima usando o Digital Object Identifier (Identificador de Objeto Digital) – DOI.

DOI: 10.29327/823500-96