Confira abaixo a discussão do Webcaso #8: Perdendo as calças (gravada no dia 30/07):

Continuação e diagnóstico

Este paciente tinha um quadro de perda de peso involuntária que era clinicamente significativa (>5% do peso corporal perdido, dentro de um prazo de 6 a 12 meses).

Em idosos, a causa mais frequente de perda de peso involuntária são as neoplasias malignas (responsáveis por cerca de 19 a 36% dos casos). Esta, sem dúvida, era uma preocupação importante neste paciente, que além da perda de peso também apresentava sinais de comprometimento sistêmico (fadiga, fraqueza, humor deprimido) associados a anorexia.

Pensando em uma possível neoplasia maligna, um passo seguinte seria tentar localizar a origem ou localização da doença, através da história e do exame físico.

Esta é uma dica importante: se você está suspeitando de uma neoplasia oculta, procure primeiro no lugar onde o paciente tem sintomas ou sinais compatíveis com câncer. Esta é a famosa Lei de Sutton: vá onde a doença está

Este paciente tinha uma dor crônica em hipocôndrio direito. Então, boas hipóteses iniciais seriam neoplasias daquela região: fígado, vias biliares, pâncreas etc.

Na ausência de qualquer sinal localizatório, outra abordagem racional seria pesquisar primeiro as neoplasias mais comuns, de acordo com a idade, sexo e fatores de risco do paciente. Neste paciente, por ser homem idoso, por exemplo, uma opção seria começar o rastreamento pela próstata, cólon, pulmão e pele.

Melhor que ficar pedindo tomografia de corpo inteiro ou todos os exames para rastreamento de neoplasia de uma vez só!

Entretanto, nem tudo que emagrece é câncer. Este paciente também tinha uma queixa de “calafrios“, que podem caracterizar episódios febris ou subfebris que podem estar associados a doenças inflamatórias ou infecciosas (e também a neoplasias, claro).

E o exame físico revelou uma pista importante: o mau estado de conservação dentário, que pode ser um prato cheio para diversas complicações infecciosas (especialmente num portador de diabetes).

 

 

Os exames de imagem mostraram uma lesão no fígado compatível com uma coleção líquida e – pimba!

Não era câncer. Era um abscesso hepático.

Foi feita uma punção guiada por ultrassom, que confirmou a presença de material purulento.

Quatro dias depois, a hemocultura resultou positiva para anaeróbios gram-negativos, mais tarde identificados como sendo Fusobacterium nucleatum.

Uma avaliação odontológica usando métodos de imagem confirmou a provável fonte da infecção: múltiplas cáries, penetrando profundamente até a polpa dentária, que precisaram de múltiplas extrações.

O paciente foi tratado com drenagem e antibioticoterapia (ceftriaxona + metronidazol) por 6 semanas com melhora.

 

 

DIAGNÓSTICO FINAL

Abscesso piogênico hepático de fonte odontogênica

SOBRE A DOENÇA:

O abscesso hepático piogênico é uma doença relativamente incomum. Fatores de risco incluem: idade avançada, sexo masculino, diabetes mellitus, história de transplante hepático e história de neoplasia maligna. 

A maioria dos abscessos hepáticos tende a a ser polimicrobiana, com Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae e anaeróbios (Bacteroides e Fusobacterium) entre os agentes mais comuns. 

O abscesso hepático amebiano (por Entamoeba histolytica) também deve ser considerado em pacientes provenientes de áreas endêmicas, principalmente em regiões tropicais subdesenvolvidas, onde as condições socioeconômicas e higiênicas são precárias. No Brasil, a região mais afetada é a Amazônia.

A apresentação típica inclui febre e dor em quadrante superior direito do abdome. Outros sintomas como náusea, anorexia, vômitos, perda de peso involuntária e fadiga também podem ocorrer, mas são menos específicos.

Eventualmente, pode ocorrer a ruptura de um abscesso, levando a peritonite e sepse.

 

Assim que houver a suspeita de abscesso hepático, exames de imagem do abdome são fundamentais para confirmar a presença de coleções líquidas no fígado. A maioria das lesões (75%) localiza-se no lobo direito.

Culturas do material do abscesso (obtidas por punção) e/ou hemoculturas são importantes para identificação do agente etiológico e escolha do melhor tratamento.

Por isso, a punção imediata da lesão (para confirmar a presença de material purulento, cultura e inserção de cateter para drenagem) é uma conduta muito bem indicada.

Afinal:

“Não há cavidade no corpo que não possa ser atingida com uma agulha número 14 e um braço forte”.
Samuel Shem (1978)

Caso adaptado de:

Yarusi, Brett. 73-year-old-man with anorexia and abdominal discomfort. HumanDx, 2020. 

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