Volta e meia, ouvimos estudantes de Medicina e médicos recém-formados falando que é importante fazer uma anamnese focada, a fim de otimizar o tempo e ter mais clareza no processo, já que os pacientes podem dizer coisas desnecessárias e confundir as coisas.

Em alguns perfis nas redes sociais que tentam ser bem-humorados (mas não conseguem ser mais do que medíocres), é comum encontrar orientações como esta: “não perder tempo com o paciente“, “perguntar logo o que é preciso“, “ir direto ao ponto“.

Prezamos muito a anamnese. Para nós, essa é a parte mais importante do encontro clínico e da relação médico-paciente.

Por outro lado, também sabemos que, no mundo real, também é importante ter eficiência e aproveitar bem o tempo.

Foi por isso resolvemos escrever este texto: para mostrar que uma anamnese focada pode ser uma boa opção – às vezes.

Portanto, continue lendo para entender quando e como fazer uma anamnese focada.

UM CENÁRIO POSSÍVEL

Imagine que uma senhora de 56 anos procura o seu atendimento, por exemplo, na UPA ou em algum serviço de urgência, queixando-se de dispneia e tosse seca. Você imediatamente pergunta o tempo de duração da tosse, o que ela vem usando e outras perguntas focadas.

Ela responde que o quadro começou com dispneia há 12 dias. Quatro dias depois disso, ela foi diagnosticada com pneumonia. Não percebeu febre.

Desde então, tomou amoxicilina por 7 dias, sem melhora. Também relata dor torácica à inspiração profunda.

A paciente nega comorbidades e apresenta-se em bom estado geral, afebril, com sinais vitais estáveis.

Você pede uma radiografia de tórax, que vem sem nenhuma alteração significativa.

Como a paciente está clinicamente bem, você prescreve levofloxacina por 7 dias.

Pronto, missão cumprida! Anamnese feita de forma focada, diagnóstico rápido, conduta tomada.

Próximo paciente!

Só que você não contava com o inesperado…

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UM OUTRO CENÁRIO POSSÍVEL

Agora imagine essa história acontecendo de uma maneira um pouco diferente. Antes de começar sua anamnese focada, você acha estranho o fato de ela não ter melhorado com uma semana de amoxicilina.

Então, ao invés de simplesmente concluir que ela tem uma pneumonia atípica que não respondeu ao tratamento inicial, você resolve obter mais informação.

Você se ajeita na cadeira e pede para a paciente contar sua história com mais detalhes. Falar tudo que ela lembra e acha importante.

Entre várias outras coisas, ela diz que estava muito bem antes disso, “até fez uma viagem de ônibus de 600km…”

Agora você já deve estar desconfiando o que ela, de fato, tinha.

Só que, sem esse dado de uma viagem longa recente, jamais teria soado aquele alarme na sua cabeça.

Depois disso, juntando os dados da sua anamnese – dispneia, dor pleurítica, ausência de febre e de escarro, imobilização prolongada no ônibus – você fica mais preocupado com a possibilidade de um tromboembolismo pulmonar (TEP)

Apesar do D-dímero negativo, você pede uma angiotomografia e, sim, ela mostra um TEP crônico.

Um verdadeiro desafio diagnóstico!

ANAMNESE FOCADA

Aí está um dos problemas de uma anamnese focada demais: você fixa sua atenção no primeiro aspecto que vem à sua mente. É assim que você  abre as portas para vários vieses cognitivos: viés de confirmação, ancoragem, efeito moldura e fechamento prematuro.

Com foco demais, você acaba perdendo de vista o contexto. Olhando só para a árvore, deixa de ver a floresta.

Isso não é anamnese focada! Isso é pressa, falta de atenção e de técnica.

Sem dúvida os pacientes dizem coisas que não têm importância paro o diagnóstico. Mas também são eles que falam as coisas realmente importantes!

É trabalho do médico saber filtrar as informações e encontrar as pistas úteis.

Para focar a anamnese, é preciso saber:

  • o que perguntar,
  • quando perguntar,
  • e como perguntar.

O QUE perguntar e quando perguntar

Você já percebeu que, ao fazer perguntas diretas, fechadas, num momento muito precoce, você já está refletindo uma hipótese diagnóstica que surgiu na sua cabeça.

Além disso, você pode induzir respostas no paciente, distorcendo os fatos reais da sua história clínica.

Logo, para saber o que perguntar, além de, obviamente, conhecer um pouco das doenças, você precisa de dados clínicos, possibilidades e hipóteses. Esses dados só surgem (e só refletem o problema real do paciente) quando o paciente tem a oportunidade de contar, com liberdade, suas queixas e preocupações, com detalhes.

Sendo assim, aqui vai uma dica: deixe o paciente falar. Muitas vezes seus pacientes vão falar o que é essencial na história deles, de forma totalmente espontânea. É óbvio: afinal de contas, quem está sofrendo com aquela doença é ele.

Depois que a gente já tem em mente o problema do paciente – uma mistura dos seus sintomas e das suas preocupações – é que entra o momento de perguntar.

Portanto: primeiro ouvir, depois perguntar.

Escute o paciente, e ele lhe dirá o diagnóstico.
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Sir William Osler (1849-1919)
Pai da Medicina moderna

COMO PERGUNTAR

Siga uma sequência, das perguntas abertas para as fechadas.

Primeiro, faça perguntas abertas: “como é isso?” Peça para o paciente explicar melhor. Não induza o paciente a dar respostas específicas neste momento.

Num segundo momento, faça perguntas mais focadas e significativas: “essa falta de ar, era só quando você fazia esforço, ou também tinha quando estava quietinho, parado?“, “quanto de esforço você tinha que fazer para começar a ficar cansado?” Leve em conta as possibilidades que você pensou.

Deixe por último aquelas perguntas fechadas, com respostas “sim” ou “não”: “já teve isso antes?“, “a dor era só no peito?

Pode ser necessário anotar aquilo que você está pensando, para explorar melhor sem se perder no processo.

E não há problema algum em retornar posteriormente, no mesmo dia ou em outra consulta, para tirar dúvidas ou fazer novas perguntas.

QUANDO USAR A ANAMNESE FOCADA

Há algumas ocasiões em que a anamnese focada deve ser usada logo de cara:

  • em situações de emergência, quando é necessário agir rápido;
  • em desastres ou acidentes com múltiplas vítimas;
  • nas provas práticas (OSCEs), quando é preciso fazer uma entrevista com pacientes simulados.

Fora isso, sempre que puder (e o tempo permitir), evite usar a anamnese focada como primeira estratégia.

CONCLUSÕES

Deixando o paciente falar mais à vontade, você terá um melhor relacionamento com os pacientes, melhorará suas habilidades médicas e evitará erros diagnósticos.

O tempo deve ser otimizado? Certamente! Mas, antes de mais nada, devemos otimizar o diagnóstico e o cuidado oferecido. Isso é o que importa! Não esqueça que pacientes bem atendidos têm menos retornos, complicações e internações.

Medicina bem praticada sempre compensa – inclusive em tempo e em dinheiro.

Autores:

Leandro Arthur Diehl, Fabrizio Almeida Prado, Pedro Alejandro Gordan

Você pode referenciar o artigo acima usando o Digital Object Identifier (Identificador de Objeto Digital) – DOI.

DOI: 10.29327/823500-40