Autores: Dr. Pedro Gordan & Dr. Elierson Rocha

O raciocínio clínico é um processo intelectual que pode ser ensinado, praticado e aprimorado ao longo da vida.

Neste artigo, apresentamos um instrumento muito útil para a organização do conhecimento e das habilidades necessárias para exercê-lo ordenadamente: os mapas conceituais

A construção de mapas conceituais pode ser introduzida desde o início da formação médica, servindo como um molde para a atuação futura do médico.

O uso dessa ferramenta pode ajudar a induzir alguns efeitos importantes, tais como:

  • Hierarquização de conceitos;
  • Organização do seu pensamento, funcionando como fio condutor;
  • Funcionar como um “filme” armazenado para análise posterior.

Neste artigo, além de explicarmos esses efeitos dos mapas conceituais na aprendizagem, ainda falaremos sobre:

  • A definição de mapas conceituais;
  • Como são construídos (e uma ferramenta online para isso);
  • Apresentação e demonstração dos mapas clínicos racionais (MCR).

O QUE SÃO OS MAPAS CONCEITUAIS?

Mapas conceituais - mapas clínicos racionais - raciocínio clínico

Segundo Novak (2007), mapas conceituais (MC) “são ferramentas gráficas, representadas por figuras geométricas, dentro das quais estão escritos conceitos relacionados entre si, interligados por linhas e palavras de ligação, cuja finalidade é organizar o conhecimento sobre determinado assunto”.

São representações esquemáticas do conhecimento, construídas de maneira a dar visibilidade e significado a pensamentos, propostas ou elaborações intelectuais.

Para construir mapas conceituais, os estudantes se baseiam em conhecimentos prévios, para a consolidação da Aprendizagem Significativa.

TIPOS DE APRENDIZAGEM

Aprendizagem superficial – entendimento de conceitos simples, sem maior compreensão, no simples nível da memorização, muitas vezes a curto prazo.

Aprendizagem estratégica – é o estudo voltado para prova. O aluno ainda não busca a compreensão, o significado; ele joga o jogo, busca o desempenho das notas.

Aprendizagem significativa – aprendizagem em profundidade. Os conceitos estão relacionados, entende-se “a lógica da coisa”. Há memorização, pois o material pode ser relembrado, mas também reflexão, aprofundamento e conexão dos materiais, com vistas à sua aplicação.

COMO SÃO CONSTRUÍDOS OS MAPAS CONCEITUAIS?

Um mapa conceitual é construído a partir de conceitos, definidos como padrões armazenados no cérebro como conhecimentos prévios. Esses conceitos são representados ou nomeados por rótulos, habitualmente palavras concretas, como um objeto (ex.: livro), ou abstratas, como um sentimento (ex.: felicidade).

Uma palavra ou frase de ligação une dois conceitos.

O conjunto de dois conceitos unidos por uma palavra de ligação é definido como uma proposição.

Um exemplo de proposição.

COMO OS MAPAS CONCEITUAIS AJUDAM NA APRENDIZAGEM?

Os MC são uma ferramenta que leva o estudante a organizar seus padrões de conhecimento preexistentes e estabelecidos no cérebro – conceitos – para a partir deles, buscar outros padrões relacionados a eles. Dessa forma, ele acaba por desenvolver novos padrões até então desconhecidos, bem como descobre a existência de relações entre padrões que ele já conhecia ou não.

Com essa ferramenta, o estudante desenvolve o próprio conhecimento não pela simples memorização de conceitos, mas pela descoberta de relações (proposições) entre aqueles conceitos que ele já conhecia, ou entre esses e os novos que ele passou a conhecer.

A proposição é a unidade, considerada um bloco ou “tijolo” utilizado na construção do conhecimento. 

Assim, o aprendizado pode vir na forma de uma proposição, surgida a partir da sua curiosidade, ou de um novo conceito, surgido para responder a uma proposição.

 

Como os mapas conceituais ajudam na aprendizagem - raciocínio clínico

A elaboração de um mapa conceitual repete o processo de aprendizado da criança nos primeiros anos de vida.

Ao estudar esse processo de aprendizado da criança nos primeiros anos de vida, David Ausubel concebeu sua Teoria da Aprendizagem Significativa, que o levou a afirmar:

"O fator isolado mais importante que influencia a aprendizagem é aquilo que o aprendiz já conhece. Descubra o que ele sabe e baseie nisso os seus ensinamentos."
David Ausubel
1980

Em geral, um MC parte de uma pergunta (problema) central, cuja resposta se deseja aprender ou ensinar. Dessa maneira, a organização do conhecimento sobre determinado assunto ocorre por meio da associação de conceitos de forma hierarquizada. Os conceitos mais amplos e mais conhecidos vêm em primeiro lugar e, a partir deles, vão se esmiuçando conceitos mais específicos e mais direcionados, com o intuito de responder àquela pergunta central.

O mapa conceitual é, portanto, uma associação dos conceitos já conhecidos pelo aluno a novos conceitos, mais elaborados, derivados dos primeiros. Esses novos conceitos, organizados hierarquicamente, suscitam proposições construídas pelo aluno. Isso permite ao aluno construir o próprio aprendizado.

Isso é Aprendizagem Significativa, ou seja: o aprendizado novo adicionado àquela base de conhecimento prévio do estudante.  O desdobramento de conceitos e proposições em novas preposições e conceitos estimula a criatividade e a aprendizagem.

O MC, portanto, é uma ferramenta que permite ao aluno sair do simples “decorar conceitos” para a construção do seu próprio conhecimento. Sua produção, como em qualquer processo de aprendizado, depende da motivação intrínseca do estudante, e constitui uma forma ativa de aprendizagem.

COMO APRENDER A FAZER MAPAS CONCEITUAIS?

Uma maneira prática para começar a construir seus mapas conceituais é por meio da ferramenta CmapTools, que é fácil de usar e pode ser acessada de forma gratuita através do link abaixo:

Segue abaixo um vídeo com orientações básicas para iniciar o uso dessa ferramenta (em inglês):

COMO OS MC PODEM AJUDAR A APRENDER RACIOCÍNIO CLÍNICO?

Você já deve ter percebido que cada mapa é individual e pertence unicamente ao indivíduo que o construiu. Ele é a expressão gráfica da narrativa e da estruturação do seu próprio pensamento. 

Neste sentido, os mapas conceituais podem servir como instrumento de organização do conhecimento e das habilidades necessárias para desenvolvê-la ordenadamente. 

Depois de prontos, os MC podem ser arquivados. O estudante e seu instrutor poderão saber como ele raciocinou e como chegou a uma determinada conclusão ou diagnósticos diferenciais, para poder corrigir caminhos e/ou adicionar novos conhecimentos.

A visualização do caminho percorrido para a construção do diagnóstico demonstrará a clareza do raciocínio ou uma complicação desnecessária. Mostrará também desvios do pensamento lógico e a eventual falta de conhecimento.

UMA NOVA FERRAMENTA: MAPAS CLÍNICOS RACIONAIS - MCR

E se pudéssemos fazer uma versão de mapas conceituais adaptados especificamente para fomentar o raciocínio clínico?

O nosso amigo Dr. Elierson Rocha, professor de Pediatria do Centro Universitário São Lucas em Porto Velho/RO, fez exatamente isso!

Ele criou a ideia dos mapas clínicos racionais (MCR), uma versão dos MC voltada para o desenvolvimento das habilidades de raciocínio clínico.

Todo aluno do curso médico precisa desenvolver essas habilidades, que basicamente envolvem:

  • identificar conceitos (dados clínicos, como: queixas, anamnese, exame físico, epidemiologia), e
  • encontrar suas possíveis proposições ou relações, para conduzir a situação da melhor forma possível para o paciente.

Com o uso dos MCR, podemos ajudar nossos pacientes de várias maneiras:

  • Traçar uma trilha propedêutica com o fim de chegar às hipóteses diagnósticas;
  • Partir de dados relacionados a uma patologia e organizar toda a conduta;
  • Estabelecer as condutas em relação aos contactantes de uma doença infectocontagiosa;
  • Relacionar sinais e sintomas para chegar ao diagnóstico, associando dados epidemiológicos.

Há muitas possibilidades, basta o aluno ou professor usar a criatividade!

Como o aluno pode estabelecer várias rotas para chegar ao objetivo, ele exercita a mente ao interrelacionar conceitos e proposições, expandindo o conhecimento.

Isso nada mais é do que trabalhar o raciocínio clínico!

MAPAS CLÍNICOS RACIONAIS: UM EXEMPLO

Veja este exemplo onde, a partir de um caso clínico (o nosso Webcaso 1: Uma dor que não passa), você pode desenhar seu próprio mapa: 

Uma mulher hígida de 72 anos procurou o pronto-socorro por dor abdominal aguda. A dor é aguda, do tipo pontada, constante, localizada em epigástrio e hipocôndrio esquerdo, sem fator desencadeante ou de piora.

No vídeo abaixo, o Dr. Pedro Gordan ensina a construir um mapa clínico racional a partir de um caso clínico, usando a ferramenta CmapTools:

Assistiu?…

Agora veja abaixo como ficou o mapa clínico racional completo desse caso:

 

ALGUMAS DICAS IMPORTANTES SOBRE O MAPA ACIMA

A primeira dificuldade que você pode ter é usar os conceitos conhecidos, que são aqueles apresentados no caso como, por exemplo: dor no hipocôndrio esquerdo, e criar proposições que o levem a novos conceitos.  

Mas é isso mesmo que intriga no MCR e no raciocínio clínico!

Somos quase que obrigados a buscar na literatura as causas de dor abdominal no hipocôndrio esquerdo.

Então nossa sede fica saciada: vemos que há tipos variados de dor no hipocôndrio esquerdo, e precisamos criar novas proposições e novos conceitos. Ou seja: temos que incorporar novos sinais e sintomas, integrá-los com as doenças, rever e entender melhor um processo fisiopatológico.

Algo muito interessante acontece: organizamos esse aprendizado esquematicamente, o que resulta na criação de padrões que servirão de modelos mentais para novos casos que tivermos que resolver.

À medida que você evolui em seu treinamento na organização de mapas clínicos racionais, esses padrões vão se organizando em sua mente e você vai aprendendo a sintetizar os conceitos e chegar mais rápido aos objetivos propostos pelos mapas.

A organização e a síntese constituem dois dos níveis mais complexos de atividade cognitiva!

MCR: OUTRO EXEMPLO

Tente fazer o MCR para a situação descrita abaixo:

O ACS (Agente Comunitário de Saúde) lhe traz uma história de que o Sr. José foi diagnosticado com tuberculose através de baciloscopia do escarro (BAAR), já tendo inclusive iniciado o tratamento há dois dias. O ACS quer saber o que fazer, já que o Sr José tem uma companheira e um filho de 6 anos. Como você conduziria essa situação, considerando a epidemiologia e as possibilidades diagnósticas?

Agora veja como ficaria a nossa versão do MCR sobre essa situação (mas só depois de você tentar fazer seu próprio mapa clínico racional!):

CONCLUSÕES

Como vimos, a partir dos estudos de Ausubel (1980) e Novak (2007), a elaboração de um mapa conceitual (MC) se baseia na mesma forma de estruturação do conhecimento usada pela criança durante o seu aprendizado nos primeiros anos de vida.

O aprendiz, com muita curiosidade, parte do conhecimento prévio de um conceito, que nada mais é que um padrão conhecido e estabelecido na sua mente, e vai descobrindo a partir dele novos padrões, motivado pelo desafio de uma proposição. Isso se chama, segundo Ausubel (1980), Aprendizagem Significativa.

No caso da criança, há uma forte motivação – ela quer descobrir o mundo! – para estabelecimento desses padrões. Nós também precisamos estar motivados para essa busca: descobrir as relações de sinais e sintomas com o diagnóstico ou a fisiopatologia, ou a relação da doença com exames ou seu tratamento.

Isso é raciocínio clínico, a ciência e arte do diagnóstico!

Para desenvolver seu raciocínio clínico, uma nova versão dos mapas conceituais, o mapa clínico racional (MCR) pode ser um bom instrumento – mas use um bom aplicativo para isto! Dentre aqueles encontrados na internet, o CmapTools se apresenta como um dos mais promissores, pela sua gratuidade e fácil manuseio.

SOBRE O AUTOR:

O Prof. Dr. Elierson José Gomes da Rocha, médico pediatra e docente do Centro Universitário São Lucas (UniSL), em Porto Velho/RO, foi coautor deste artigo, baseado na sua vasta experiência com o uso de mapas conceituais para ensino de Pediatria. Muito obrigado!

PARA SABER MAIS:

NOVAK, Joseph et al. Theoretical Origins of Concept Maps, How to Construct Them, and Uses in EducationReflecting Education, London, v. 1, n. 3, p. 29-42, nov. 2007.

 

AUSUBEL, David P., NOVAK, Joseph D., HANESIAN, Helen. Psicologia educacional. Tradução Eva Nick. Rio de Janeiro: Interamericana, 1980.

 

ESPINOSA, Maikel León et al. Concept maps and case-based reasoningProceedings Of The 2007 Euro American Conference On Telematics And Information Systems – Eatis ’07, [S.L.], v. 2, p. 1-6, maio 2007. ACM Press.

Autores:

  • Elierson Rocha
  • Pedro Alejandro Gordan

Você pode referenciar o artigo acima usando o Digital Object Identifier (Identificador de Objeto Digital) – DOI.

DOI: 10.29327/823500-94