Como um checklist podem nos ajudar a melhorar a segurança diagnóstica? Leia a seguinte história para entender:

A FORTALEZA VOADORA

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B17, a fortaleza voadora (Fonte: Wikipedia)

O ano era 1935.

A Segunda Guerra Mundial estava no ar, e a Força Aérea americana procurava um novo avião de combate.

Foi quando a Boeing criou um novo bombardeiro: o B17 Flying Fortress (a “Fortaleza Voadora”). Era um avião revolucionário: imenso, com 4 motores, 32 metros de envergadura e com muitas inovações tecnológicas que o tornavam uma arma poderosíssima.

O segundo teste do protótipo foi feito por um piloto experiente, o major Ployer Peter Hill, e um funcionário da Boeing, Les Tower.

O avião decolou bem, mas ao alcançar cerca de 100 metros de altitude, perdeu a sustentação, caiu e explodiu.

Esse quase foi o fim do B17.

Quase!

Na investigação posterior, descobriu-se a causa da queda: falha do piloto.

O B17 era muito mais complicado de pilotar que qualquer aeronave anterior. Tinha muitos controles. No meio de tantas tarefas para decolar e manter o avião voando, o experiente major esqueceu de liberar um mecanismo que travava os estabilizadores da cauda enquanto o avião estava em solo. Isso levou à perda de controle e à queda da aeronave.

O avião era complexo demais para a capacidade humana!

Como lidar com isso?…

A solução inventada foi um checklist. Uma lista de tarefas que todo piloto devia seguir, para não esquecer procedimentos simples em meio a tantos cálculos e controles para realizar.

Com isso, o B17 emplacou um contrato com a Força Aérea americana – e tornou-se uma das armas mais importantes da Segunda Guerra!

Os checklists, por sua vez, tornaram-se uma ferramenta importantíssima: contribuíram decisivamente para tornar a aviação uma das áreas mais seguras da atuação humana.

Rapidamente, checklists começaram a aparecer também em outras áreas – inclusive na Medicina.

CHECKLISTS NA MEDICINA

Dentre as exigências da Medicina moderna, vemos uma mudança cultural crescente em direção à qualidade e à segurança.

Muitos esforços têm sido empreendidos nesse sentido. Um grande exemplo são as 6 metas internacionais de segurança do paciente.

É aqui que entram os checklists, que são uma maneira prática e efetiva de prevenir erros.

AS LIMITAÇÕES HUMANAS

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Nós somos necessariamente falíveis. Há tarefas que vezes ultrapassam nossa capacidade mental. Pilotar grandes aeronaves, construir prédios, realizar uma grande cirurgia – tudo isso envolve um número imenso de etapas e de cuidados que devem ser tomados para garantir um bom resultado. Se às vezes esquecemos apenas um desses passos, o resultado pode ser catastrófico.

Além disso, não sabemos nem podemos tudo. Há coisas fora do nosso controle. Mas naquelas coisas que temos controle, podemos falhar por duas razões.

A primeira é a ignorância: existe o conhecimento, mas não o temos, ou ele é incompleto.

A segunda é a inépcia: temos o conhecimento, mas não sabemos aplicá-lo adequadamente.

E esse nos parece ser um dos grandes desafios na Medicina atual. Temos muito conhecimento, muitas evidências, muitos recursos diagnósticos e terapêuticos. Mas como conciliar tudo isso? Como raciocinar corretamente, resolver problemas e tomar decisões adequadas às exigências da Medicina moderna?

COMO OS CHECKLISTS PODEM NOS AJUDAR?

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Temos problemas simples e problemas complicados. Os complicados têm muitas variáveis, mas podem ter suas etapas delimitadas e replicáveis, como ocorre com uma receita de bolo ou uma linha de produção.

E também temos problemas complexos ou, como já chamamos, problemas cabeludos. Estes, além de serem complicados, contam com o imprevisto e com o caráter único de cada evento.

Durante a realização de atividades complexas, dedicamos muita atenção, foco e memória ao problema em questão, mas sempre há elementos rotineiros que, pela sua própria simplicidade, podem ser esquecidos. A mente humana tem limites!

Assim, ter uma lista à mão para seguir um passo-a-passo pré-estabelecido não é rigidez ou “não saber pensar.” Muito pelo contrário!

É garantir que o simples não seja esquecido, para podermos então nos dedicar ao complexo, que é onde o julgamento e a ação humana fazem a maior diferença.

UM EXEMPLO DE CHECKLIST QUE DEU CERTO NA MEDICINA

Um dos exemplos de maior sucesso foi o checklist da cirurgia segura, cujo impacto foi demonstrado num artigo do New England Journal of Medicine em 2009. Os pesquisadores elaboraram uma lista de cuidados que não deveriam ser esquecidos, para prevenir erros cirúrgicos.

Esse checklist, aplicado em 3 diferentes momentos do processo cirúrgico, foi testado em 8 hospitais ao redor do mundo, das mais variadas condições socioeconômicas.

Compararam-se 3.955 pacientes operados após a implementação do checklist com 3.733 operados antes do checklist.

O uso do checklist associou-se à redução significativa da mortalidade e das complicações (infecciosas ou não).

Deu tão certo que atualmente o uso desse checklist é rotina na maioria dos hospitais, no mundo todo.

O processo diagnóstico

O processo diagnóstico não é menos complicado do que pilotar um grande avião com inúmeros controles!

Diagnosticar é outra atividade complexa, na qual podemos deixar passar muitos detalhes ou nos “perder” em meio a tanta informação. Isso pode resultar em diagnósticos incompletos ou errados, com prejuízo para o paciente.

Mas será que podemos usar um checklist para fazermos diagnósticos mais seguros?…

Para responder a essa pergunta, basta lembrarmos dos possíveis erros que podem ocorrer em cada etapa do processo diagnóstico.

ONDE PODEM OCORRER ERROS NO DIAGNÓSTICO?

As causas de erros diagnósticos são multifatoriais, envolvendo vários processos cognitivos e do sistema de saúde.

Podemos dividir as causas mais comuns de erros diagnósticos em 6 grandes categorias (veja nossos posts anteriores para saber mais sobre vieses cognitivos e sua classificação):

  • Foco excessivo em um diagnóstico particular
  • Falha em considerar alternativas
  • Diagnóstico “herdado” de outro profissional
  • Erro na estimativa ou percepção de prevalência e probabilidades
  • Erro pelas características ou contexto dos pacientes
  • Erro associado ao afeto ou personalidade do médico 

O CHECKLIST DO DIAGNÓSTICO SEGURO

Pensando nas características complexas do processo diagnóstico e nas inúmeras interferências que podem ocorrer e causar erros diagnósticos – muitas das quais podem ser, pelo menos, atenuadas com o uso de alguns cuidados simples – é que foi desenvolvido o checklist do diagnóstico seguro.

A ideia é garantir que as possíveis interferências no processo diagnóstico sejam sistematicamente consideradas pelo médico e, assim, excluídas ou amenizadas.

No artigo original, em inglês, há um mnemônico para lembrar o checklist facilmente. É o TWED:

  • Threat
  • Wrong/What else?
  • Evidences
  • Dispositional factors

Nós tomamos a liberdade de traduzir e adaptar esse checklist do diagnóstico seguro para o português. (E, cá entre nós: ficou bem mais legal!)

Acreditamos que o uso rotineiro deste checklist vai aumentar seu PODER de fazer diagnósticos corretos!

PODER: O checklist do diagnóstico seguro

COMO USAR O CHECKLIST DO DIAGNÓSTICO SEGURO?

1. Predisposições: sempre procure avaliar se fatores do ambiente ou dos seus afetos e emoções (pressa, cansaço, pressão externa, julgamentos de terceiros, excesso de trabalho ou falta de confiança, ter sentimentos muito positivos ou muito negativos em relação ao paciente) não estão interferindo no seu processo de raciocínio.

2. “O que mais pode ser?” Evite a armadilha de focar excessivamente em uma impressão diagnóstica inicial. Sempre busque explicações alternativas! Esta é considerada a estratégia antivieses mais eficaz de todas!

3. “Dados estão completos?” Uma grande fonte de erros é a coleta incompleta de dados. Será que você não esqueceu de avaliar algum dado importante? Reveja a história! Com todas as evidências à mão, é possível evitar viés de confirmação, ancoragem e o momento diagnóstico (“herdar” diagnósticos sem verificação). Ter todos os dados ajudam e estimar melhor a probabilidade de uma doença pois dão um quadro clínico mais completo.

4. Erro: sempre esforce-se para lembrar que você (ou outro) pode estar errado! Manter o tempo todo um pequeno grau de dúvida pode ser benéfico. Isso evita viés de autoridade e disponibilidade. Os exames também podem estar errados, confira!

5. Risco: avalie em primeiro lugar se há risco iminente de morte ou complicação grave (como a perda de um membro) e se você precisa tomar uma conduta imediata para reduzir esse risco, antes de maiores investigações. Isso é “considerar o pior cenário”, pensar primeiro naquele diagnóstico que não pode ser perdido porque traz um alto risco de morte ou complicações graves.

O PIT STOP DIAGNÓSTICO

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Em vários esportes, é possível pedir um “tempo” para descansar, reorganizar o time e mudar de estratégia. Nas corridas, os pilotos fazem um pit stop. Médicos às vezes também precisam de um intervalo para desacelerar o pensamento e raciocinar melhor!

Faça seu pit stop diagnóstico sempre que estiver muito cansado, em dúvida ou em situações muito complicadas.

Tire um tempinho para respirar, tomar um café, rever a estratégia, consultar a internet, discutir com os colegas – e repassar o checklist do diagnóstico seguro!

DICAS FINAIS

As características e vantagens do checklist do diagnóstico seguro são:

  • Deve ser usado após a elaboração de um diagnóstico provisório ou de uma primeira impressão diagnóstica;
  • Cobre os principais vieses e fontes de erros cognitivos;
  • Deve ser usado com frequência, até se tornar habitual (automático);
  • Não simplifica o processo de raciocínio clínico, mas serve de apoio para ajudar o médico a não esquecer nenhum diagnóstico importante;
  • É útil tanto para médicos jovens como para médicos experientes. Nos jovens: ajuda a desenvolver o hábito de segurança e raciocínio correto não enviesado. Nos experientes: serve como uma dupla conferência do processo de raciocínio diagnóstico, ajudando a prevenir erros.

CONCLUSÕES

Na nossa opinião (e na de outros autores), o diagnóstico seguro deveria ser uma das metas internacionais de segurança do paciente!

Então, por que não se adiantar e começar a usar este checklist desde já?

Você está pronto para aplicar o checklist do diagnóstico seguro e elevar o nível da sua prática médica?

Não esqueça: o caminho da excelência passa sempre pela segurança e pela qualidade!

Busque sempre seu máximo e faça o melhor pelos seus pacientes!

PARA SABER MAIS:

Gawande A. The checklist manifesto: how to get things right. London: Profile Books, 2010.

Haynes AB et al. A surgical safety checklist to reduce morbidity and mortality in a global population. New England Journal of Medicine, 2009.

Chew KS et al. A portable mnemonic to facilitate checking for cognitive errors. BMC Research Notes, 2016.

Autores:

  • Fabrizio Almeida Prado
  • Leandro Arthur Diehl
  • Pedro Alejandro Gordan

Você pode referenciar o artigo acima usando o Digital Object Identifier (Identificador de Objeto Digital) – DOI.

DOI: 10.29327/823500-46