Confira abaixo a continuação e o diagnóstico final do Webcaso #12: Uma tosse irritante (gravada no dia 03/09):

WEBCASO #12: UMA TOSSE IRRITANTE

O paciente era um homem de 56 anos que procurou atendimento por tosse crônica. Ele era previamente hígido, muito ativo, e costumava realizar atividades frequentes ao ar livre, tais como: corrida, camping, caça e escalada de montanhas.

Há quatro anos, começou a ter uma tosse que ele descreveu como “irritante”: geralmente seca, mas de vez em quando com expectoração clara em pequena quantidade.

No início do quadro, ele não ficou preocupado, pois associou a tosse às suas alergias sazonais, sempre mal controladas, cujos sintomas predominantes eram coceira ocular e gotejamento pós-nasal. De fato, a tosse piorava quando tinha essas crises alérgicas; no entanto, agora a tosse é constante, persistente e independente dos sintomas de alergia.

Também relata dispneia aos esforços e diminuição da tolerância aos exercícios, que vêm impedindo suas atividades ao ar livre.

Já fez várias tentativas de tratamento, usando corticoide (nasais e inalatórios), beta-2-agonistas adrenérgicos de longa duração e anti-histamínicos nasais e sistêmicos, que ajudaram no alívio dos sintomas alérgicos, mas não tiveram nenhum efeito na resolução da tosse.

Com uma investigação mais detalhada, descobriu-se que o paciente trabalhou por 20 anos em construção civil e teve exposição a jatos de areia (sem uso de equipamento de proteção individual). Aos 20 anos, fumou por apenas por 2 meses. Não faz uso de cigarros eletrônicos. Vive em uma fazenda e tem vários animais – cachorros, galinhas, gatos, porcos, vacas. A mãe faleceu por uma doença pulmonar desconhecida nos anos 70. Não toma aspirinas e não usa AINEs.

CONTINUAÇÃO DO CASO

Ao exame físico, observou-se:

  • Geral: Eutrófico, de boa aparência
  • Sinais vitais: 36,8 °C, FC 77, PA 126/74, FR 16, SatO2 93% em ar ambiente, IMC 24
  • Cabeça: face corada, orofaringe limpa, membranas timpânicas normais bilateralmente, sem lesões ou pólipos nasais
  • Cardiovascular: ritmo regular, pressão venosa jugular normal
  • Pulmonar: estertores finos inspiratórios bilateralmente nas bases e que não desaparece com a tosse
  • Teste de caminhada de 6 minutos: dessaturou para 85% em ar ambiente depois de caminhar 60m.

Ao exame de extremidades, observamos o seguinte achado:

Alguns exames laboratoriais também foram solicitados:

  • Glóbulos brancos 8500 /uL (66% PMNs, 20% linfócitos, 9% monócitos, 4% eosinófilos, 1% basófilos), Hb 18 g/dL, Hematócrito 57%, Plaquetas 263.000 /uL
  • Bicarbonato 25 mEq/L, provas de função hepática normais, VHS e PCR normais 
  • Exame de urina normal (sem células ou proteínas).

No teste de caminhada de 6 minutos, apresentou dessaturação para 85% em ar ambiente depois de caminhar 60 metros.

Pensando em possíveis patologias do aparelho respiratório, o paciente foi submetido a uma espirometria, que apresentou um padrão restritivo:

 

Por fim, foi solicitada uma Tomografia Computadorizada de Alta Resolução:

tomografia-torax-webcaso-12-raciocinio-clinico

Pensando nos possíveis diagnósticos diferenciais, outros exames complementares foram pedidos para descartar doenças autoimunes:

  • Triagem de ANA (anticorpos anti-núcleo) e painel confirmatório de ANA negativo
  • FR negativo
  • CK e aldolase, painel de miosite negativo
  • ANCA negativo
  • Painel de hipersensibilidade negativo.

DIAGNÓSTICO FINAL

Fibrose Pulmonar Idiopática

COMENTÁRIOS SOBRE O CASO

O teste de função pulmonar do paciente era consistente com um padrão restritivo e a DLCO (Capacidade de Difusão do Monóxido de Carbono) apontava para uma doença parenquimatosa. Na TC de alta resolução foram identificadas opacidades reticulares assimétricas, basilares e predominantes, além de bronquiectasias de tração – interpretadas como provável padrão de pneumonia intersticial usual. Dada a falta de sintomas extra-pulmonares, exames complementares de doenças autoimunes negativos e o padrão encontrado na TC, ele foi diagnosticado com fibrose pulmonar idiopática. O paciente iniciou terapia anti-fibrótica e foi referido para avaliação de possível transplante pulmonar. Por causa do histórico de sua mãe, foi indicado teste genético para averiguar possível componente familiar da doença.

Para entrar no clima da nossa última publicação, o Dr Pedro Gordan elaborou um mapa conceitual do Webcaso #12! Olha só como ficou:

SOBRE A DOENÇA:

A fibrose pulmonar idiopática (uma forma de pneumonia intersticial idiopática) é uma doença fibrótica progressiva de etiologia desconhecida. É relativamente rara, com a prevalência estimada entre 0,5-27,9/100.000 habitantes. A média de sobrevivência desses indivíduos com a doença está entre 2-5 anos, baseado em estudos de coorte em centros de referência. Provavelmente, esse não deve ser o tempo desde o início do aparecimento dos sintomas.

Existem múltiplos tipos de doenças pulmonares intersticiais com diferentes arranjos de etiologias. O seguimento de qualquer paciente com suspeita de doença intersticial pulmonar deve começar com a história detalhada de exposições a fatores de risco (histórico ocupacional, alergias e histórico de tabagismo ou vaper), buscando identificar quais sintomas podem ser provocados por outras condições. Além disso, é importante rastrear  possíveis históricos familiares semelhantes, pois indicariam uma causa genética da doença.

Quando uma doença pulmonar intersticial é suspeita, o exame de imagem escolhido deve ser a tomografia computadorizada de alta definição. Essa modalidade permite melhor resolução para avaliar o parênquima pulmonar, caso a suspeita seja uma doença com disseminação relativamente homogênea no pulmão. Entretanto, caso a suspeita seja uma doença de característica focal, como uma massa ou área de necrose, não deve ser pedido esse exame, pois provê menos fatias, sendo necessário nesse caso, maior quantidade de fatias para visualizar as lesões focais.

Em pacientes com respiração curta e tosse crônica, a função pulmonar por espirometria deve ser realizada.

Caso adaptado de:

Verma, Divya. 56-year-old man with a chronic cough. HumanDx, 2020.

Saiba mais sobre Doenças fibróticas pulmonares com uma revisão bibliográfica atual do The New England Journal of Medicine.