Sabe qual é a razão mais comum para um médico deixar passar (perder) um diagnóstico?
É não ter pensado nele.
Daí a importância do velho e bom diagnóstico diferencial (ou, para os íntimos, DDx).
O diagnóstico diferencial nada mais é do que uma lista de possíveis explicações para os sinais e sintomas de um paciente. Todo médico já começa a gerar uma lista dessas na sua cabeça, assim que começa a ouvir alguma história clínica.
O uso do diagnóstico diferencial não é nenhuma novidade. Foi primeiramente descrito pelo célebre Sir William Osler, um dos pais da clínica e da educação médica modernas, há mais de 100 anos. De lá para cá, é ensinado em todas as escolas médicas e aparece em todo capítulo de livro de Medicina.
Mas se o diagnóstico diferencial é uma etapa tão importante do raciocínio clínico, por que usamos tão pouco?
Continue lendo para entender melhor esse paradoxo!
Como fazer um diagnóstico diferencial?
Se bem-feito, o diagnóstico diferencial vai incluir as doenças que são as causas mais prováveis do quadro clínico do paciente. De preferência, sem deixar de fora nenhuma explicação altamente provável, e sem incluir hipóteses irrelevantes.
Às vezes a lista de hipóteses é extensa. Em casos mais complicados, vagos ou atípicos, o diagnóstico diferencial pode incluir dezenas de hipóteses. Por exemplo: no paciente que chega ao pronto-socorro inconsciente, com seus familiares relatando uma perda de consciência abrupta, sem nenhum outro dado de história, talvez seja necessário levar em consideração todas as quase 50 possíveis causas de síncope!
No entanto, o mais comum é que o diagnóstico diferencial seja uma lista pequena, com três ou quatro doenças que o médico considera mais aplicáveis ao caso sendo investigado. Por exemplo: no escolar que apresenta quadro agudo de febre, tosse e odinofagia, mantendo bom estado geral, o pediatra irá pensar em relativamente poucas doenças comuns que cursam com esse conjunto de sintomas: gripe, amigdalite, otite.
Deve-se ter em mente que todo diagnóstico diferencial é fruto de uma escolha. Embora existam centenas de possíveis causas para febre ou tosse, o médico deve levar em conta seu conhecimento, sua experiência e – por que não? – seu feeling para escolher quais doenças se “encaixam” melhor no quadro do paciente.
No exemplo do escolar acima, é bem provável que meningite ou leucemia não estejam entre as hipóteses iniciais, por serem menos comuns ou por terem apresentações típicas diferentes, o que as tornam menos prováveis.
Ou seja: o clínico, por algum motivo, escolhe não incluir essas doenças no diagnóstico diferencial inicial, embora possa – deva – revisar sua lista de hipóteses a qualquer momento, se surgirem novas informações que falem contra as hipóteses iniciais.
Preferencialmente, o diagnóstico diferencial deve ser ordenado por probabilidade: as doenças julgadas mais prováveis pelo médico (e, portanto, as que devem ser consideradas ou investigadas primeiro) devem estar no topo da lista, e as menos prováveis, no final.
Para terminar, é importante comentar que, para sintomas que possam se associar a doenças graves com risco de vida, o diagnóstico diferencial deve incluir essas possíveis urgências/emergências (mesmo que não sejam tão comuns ou tão prováveis), dada a sua gravidade e necessidade de intervenção rápida.
Por exemplo: um paciente com dor torácica pode ter uma simples contratura muscular – mas é obrigatório que o médico pelo menos considere explicações potencialmente catastróficas, como infarto do miocárdio, dissecção aguda de aorta ou embolia pulmonar!
Essa estratégia de sempre pensar (e descartar) o pior é conhecida como “ROWS” (“rule out worst scenario”), e é muito usada por emergencistas experientes.
Por que fazer um diagnóstico diferencial?
Na prática, temos uma tendência inata a buscar rapidamente uma única explicação para os sintomas do paciente à nossa frente – especialmente se for um caso que percebemos como simples e rotineiro (como mais de 80% dos casos que vemos na prática diária).
É a lei do menor esforço!
Em outras palavras, tendemos a usar apenas o Sistema 1 (o sistema de pensamento rápido, automático e inconsciente), que nos “sopra” uma hipótese, advinda do simples reconhecimento de um padrão.
Se não nos forçarmos a pensar um pouco (ou seja, se não acionarmos o Sistema 2 de pensamento, deliberado, voluntário e consciente), pode ser que nós simplesmente aceitemos como verdadeira a primeira hipótese sugerida pelo Sistema 1. Assim que colamos um rótulo ao paciente, imediatamente paramos de procurar outras possíveis explicações para o caso.
Esse tipo de raciocínio funciona?
Claro!
Provavelmente é assim que acertamos uns 80% dos diagnósticos no dia a dia: de forma automática, sem muito esforço, apenas reconhecendo padrões.
Mas… e os outros 20%?
Nesses casos, dois diferentes desfechos podem acontecer:
- Não consideramos outras explicações e continuamos tratando o paciente de uma doença que ele não tem, deixando de dar a ele o tratamento correto – ou seja, estaremos cometendo um erro diagnóstico, com risco de prejuízos consideráveis ao paciente;
- Eventualmente surgirão dados novos que nos fazem perceber que “algo não se encaixa”, e passamos então a considerar outras hipóteses alternativas – geramos um diagnóstico diferencial – podendo surgir então o diagnóstico correto, com menor risco de danos ao paciente.
Qual desses caminhos você acha que é o melhor?…
Fazer um diagnóstico diferencial é uma maneira de forçar o Sistema 2 a considerar outras hipóteses, diminuindo o risco de erros diagnósticos.
É estatístico: é bem mais provável que a verdadeira causa dos sintomas do paciente acabe aparecendo se o médico tentar pensar em pelo menos três ou quatro hipóteses, do que se ele ficar satisfeito com uma única possível explicação.
E o melhor: não custa praticamente nada! (Só um pouquinho de tempo e esforço da parte do médico.)
Provavelmente, o diagnóstico diferencial é a estratégia mais segura e mais custo-efetiva para reduzir o risco de erros diagnósticos na prática clínica!
Por isso, acostume-se a fazer diagnóstico diferencial para todos os seus pacientes.
Cultive esse hábito desde o começo da sua vida clínica!
Todo mundo faz diagnóstico diferencial?
A resposta curta é: não. (Mas deveria!)
Um estudo sobre erros ocorridos na Atenção Primária americana, por exemplo, mostrou que em 81% dos casos de erros que acabaram gerando processos legais, não havia nenhuma anotação de diagnóstico diferencial no prontuário. Muitos diagnósticos importantes foram perdidos por que o médico nem sequer pensou neles!
A interrupção muito precoce do raciocínio diagnóstico, aceitando de cara a primeira hipótese e deixando de considerar outras explicações, é um dos principais vieses cognitivos: o fechamento prematuro.
Há abundantes evidências na literatura sugerindo que o fechamento prematuro é, de fato, a maior causa de erros diagnósticos!
Por que fazemos tão pouco diagnóstico diferencial?
Há várias explicações para isso.
Fazer diagnóstico diferencial exige que o médico pense (ative seu Sistema 2), o que dá trabalho, consome energia e leva tempo.
Na prática, quando o tempo é curto (como ocorre, muitas vezes, em ambulatórios ou postos de saúde lotados de pacientes), é muito mais fácil e mais rápido para o médico pedir exames ou encaminhar o paciente a um especialista, do que ficar queimando neurônios.
Se estivermos muito cansados, com sono, sobrecarregados de trabalho ou em um ambiente muito estressante (o que, infelizmente, é muito comum em Medicina), também teremos mais dificuldade ainda em ativar o Sistema 2 para gerar um diagnóstico diferencial.
Para piorar as coisas, considere que a nossa memória e o nosso conhecimento são obrigatoriamente limitados.
Nossa memória de curto prazo (ou memória de trabalho, que é como se fosse a memória RAM de um computador) consegue trabalhar com no máximo 5 a 7 informações de cada vez. É por isso que é tão cansativo raciocinar sobre casos onde o número de hipóteses excede esse número. Imagine ter que considerar 50 possíveis causas de síncope ao mesmo tempo! Resultado: simplesmente “desligamos” o raciocínio (por simples fadiga) e aceitamos a primeira hipótese que nos vem à cabeça!
Há outro fato relevante: é simplesmente impossível conhecer todas as doenças – quanto mais, pensar em todas elas! Médicos em geral conhecem algumas poucas centenas de doenças: as que aparecem com mais frequência no seu serviço e com as quais eles têm mais familiaridade. No entanto, já há mais de 12 mil doenças descritas na literatura médica – e essa lista cresce sem parar! Todos os anos, cerca de 100 a 200 novas doenças são descritas.
Por isso, precisamos de ajuda!
Ferramentas de apoio ao diagnóstico diferencial
Existem várias ferramentas que podem nos ajudar na difícil tarefa de gerar diagnósticos diferenciais eficientes e razoavelmente corretos para nossos pacientes, sem consumir tempo ou energia demais, e sem deixar de fora nenhuma hipótese importante.
Já publicamos posts sobre algumas dessas ferramentas, tais como mnemônicos e aplicativos de diagnóstico diferencial.
Outras opções são livros-texto, artigos de revisão, checklists, o Google e a discussão com colegas mais experientes ou de outras especialidades.
Qual dessas ferramentas é melhor?
A que você conseguir usar com eficiência para ajudar seus pacientes!
Portanto, nossa dica é: experimente!
Tente incorporar o uso de alguma ferramenta de diagnóstico diferencial no seu trabalho e veja qual funciona melhor para você.
Conclusões
O Dr. Mark Reid, no seu livro de axiomas médicos, diz que:
Em todas as outras situações, acostume-se a fazer um diagnóstico diferencial!
Você vai errar menos, contribuindo para melhoria da segurança diagnóstica e dos desfechos para seus pacientes.
PARA SABER MAIS:
Maude J. Differential diagnosis: the key to reducing diagnosis error, measuring diagnosis and a mechanism to reduce healthcare costs. Diagnosis, 2014.
Singh H, Giardina TD, Meyer AND. Types and origins of diagnostic errors in primary care settings. JAMA Internal Medicine, 2013
Croskerry P, Cosby K, Graber ML, Singh H. Diagnosis: interpreting the shadows. Boca Raton: CRC Press, 2017.
Autores:
- Fabrizio Almeida Prado
- Leandro Arthur Diehl
- Pedro Alejandro Gordan
Você pode referenciar o artigo acima usando o Digital Object Identifier (Identificador de Objeto Digital) – DOI.
DOI: 10.29327/823500-74
Excelente!