Plena pandemia: pessoas tendendo ao pânico, histeria coletiva.

Neste momento de crise, eu vejo com nitidez os colegas médicos e profissionais de saúde dividirem-se em dois grandes grupos.

Um grupo é o que diz:

– Eu é que não vou pegar isso aí! Vou me isolar na casa de praia, ficar longe de tudo isso até tudo acabar.

Outro grupo é o que fala assim:

– Meu Deus, como é que vamos dar conta de dar atendimento adequado a tanta gente doente ao mesmo tempo?

Em ambos os casos, há o receio pela própria saúde, o medo de transmitir a doença a algum familiar mais vulnerável, a ansiedade por não saber o que vai acontecer.

Mas entre esses dois grupos, há uma grande diferença.

coronavirus - atitude - o quarto pilar do diagnostico - raciocínio clínico

Um grupo tenta encontrar maneiras de se proteger, mesmo que isso custe fugir à sua responsabilidade.

Outro grupo também pensa em como se proteger – mas nem por uma fração de segundo considera a possibilidade de fugir ao seu dever de guardião da saúde alheia.

Essa diferença pode parecer sutil a alguns, mas nem por isso deixa de ser simplesmente essencial.

É uma diferença de atitude.

E o que a atitude do profissional tem a ver com o raciocínio clínico e a capacidade de fazer diagnósticos?

Simplesmente: tudo!

Continue lendo para entender.

OS TRÊS PILARES DO DIAGNÓSTICO

Já falamos em textos anteriores sobre os três requisitos essenciais para um médico ou profissional da saúde poder fazer diagnósticos corretos de forma segura e eficiente.

São os três pilares do diagnóstico:

1) Conhecimento médico: você só diagnostica as doenças que conhece;

2) Coleta de dados: você precisa observar e entender quais são os sinais e sintomas do paciente para então pensar na causa deles;

3) Raciocínio clínico: você precisa analisar, combinar e interpretar os achados do paciente de forma a encontrar uma explicação satisfatória do quadro, integrando os dois pilares anteriores.

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Mas cada vez mais, observando nossos colegas, alunos e residentes em ação e conversando a esse respeito com colegas professores, fico com a impressão que está faltando alguma coisa aí.

Para fazer diagnósticos de forma competente – inclusive em casos de diagnóstico difícil, em que outros colegas falharam em encontrar uma explicação adequada – é preciso ter algo mais.

E esse algo mais também é o que faz diferença para todo o resto.

É o que faz você destacar-se na profissão médica, prestar um cuidado de alto valor aos seus pacientes e ter sua competência reconhecida pela sociedade e pelos seus pares.

Também é o que diferencia os dois tipos de profissionais que citei no começo deste texto.

É uma questão de atitude.

A IMPORTÂNCIA DA ATITUDE

É fácil entender a importância da atitude para o diagnóstico – na verdade, para toda a atividade médica.

Pense bem: não adianta você conhecer bem um monte de doenças, estar de posse de todos os dados relevantes do paciente e ter ótimas habilidades de raciocínio diagnóstico (ou seja, ter todos os três pilares do diagnóstico bem desenvolvidos e funcionantes), se você não se esforça sistematicamente para pô-los em prática a serviço do seu paciente.

Em outras palavras: não adianta ter todas as ferramentas, se você prefere mantê-las guardadas na caixa.

Cuidar bem do seu paciente (o que inclui fazer todo o possível para chegar ao diagnóstico correto) é algo que pode dar muito trabalho.

É algo que pode exigir que o profissional dê de si aquele pouquinho a mais que não é obrigação do médico – mas é o que faz a diferença entre um bom cuidado e um cuidado excelente.

E também é o que faz diferença, no fim do dia, entre um médico que tem plena consciência de que fez tudo que era possível pelo seu paciente e outro médico que fez apenas o mínimo, apenas o que tinha que fazer, apenas o que era sua obrigação. Qual deles vai ter um sono mais tranquilo?

Isso tem a ver, inclusive, com a saúde mental do médico. Dar o melhor de si, tendo consciência de que isso pode ter ajudado seu paciente, é uma das sensações mais recompensadoras da Medicina.

Não importa que tenhamos brigado com um outro colega ou funcionário para conseguir aquele exame que nosso paciente precisava, mas ia demorar muito. Não importa que a gente tenha feito algo diferente do que todo mundo faz e por isso a chefia olhou feio para a gente. Nem sequer importa se o paciente percebeu que estávamos indo além do que, a rigor, era a nossa obrigação profissional, ou se ele agradeceu por isso.

Nada disso importa!

O que gera satisfação no trabalho do médico é a consciência tranquila de saber que fez tudo que podia. A sensação de dever cumprido. O sentimento de ter ajudado alguém que precisava da nossa ajuda. Essa é a melhor vacina contra o burnout.

Uma vez que você experimenta essa sensação, não tem volta: você é um médico de verdade. Um dos bons. E isso nunca mais vai mudar.

atitude: o quarto pilar do diagnóstico

E é justamente essa atitude de querer fazer algo a mais, de querer ir mais além, de querer dar um pouquinho mais de si em prol de um semelhante que está doente e em sofrimento, isso é o que motiva o médico a não ficar satisfeito com diagnósticos fáceis ou rasteiros.

medicos-sem-fronteiras - atitude - o quarto pilar do diagnostico - raciocinio clinico

É isso que faz com que, diante de um caso difícil, o médico fique matutando “o que mais pode ser?”.

É o que faz a médica procurar um colega na hora do cafezinho para pedir uma opinião.

É o que faz o residente abrir o livro e procurar o que mais pode causar aquele sintoma esquisito.

É o que faz você querer aprender raciocínio clínico, estudar quando outros estão no happy hour ou ficar no hospital depois que outros foram embora porque você está curioso para ver o que vai dar aquela tomografia.

atitude é o quarto pilar do diagnóstico. E talvez seja o mais importante: se você não quer com todas as suas forças achar a resposta de um problema, você não vai se esforçar para resolvê-lo. Vai se contentar com explicações superficiais. Vai ficar só no Sistema 1. Vai cometer mais erros diagnósticos do que devia.

É só quando você adota a atitude honesta e corajosa de querer fazer absolutamente tudo para ajudar seu paciente, que você vai mobilizar todas as suas forças e todas as suas competências para fazer todo o possível por ele.

Só com a atitude correta você vai conseguir fazer diagnósticos difíceis.

Só com a atitude correta você vai se destacar como médica ou médico brilhante, e ganhar o respeito dos seus pares e o reconhecimento dos seus pacientes.

Outros exemplos de atitudes médicas

Essas diferenças de atitude para com a profissão e para com os pacientes são visíveis em diversos outros exemplos do dia a dia.

Vou citar alguns, mas você deve conhecer e lembrar de muitos outros.

Diante de um paciente internado que precisa coletar um exame que o pessoal da coleta não colheu: um interno simplesmente espera a coleta do dia seguinte; outro interno pega o vacutainer e os frascos e vai colher o exame ele mesmo, para não atrasar os resultados.

Diante de um paciente com uma queixa estranha ou com muitas queixas que não fazem muito sentido do ponto de vista orgânico ou fisiopatológico: um residente simplesmente prescreve fluoxetina e encaminha o paciente ao CAPS; outro residente se dispõe a escutar com calma para identificar agentes estressores, tranquiliza o paciente que não deve ser nada grave e oferece apoio e suporte psicológico.

Diante de uma mãe de primeira viagem que está preocupada com algum pequeno problema com seu bebê: um plantonista diz que “é assim mesmo” e manda a mãe só voltar para atendimento se houver algo mais grave; outro plantonista examina a criança, mostra-se empático com a mãe, oferece-se para ouvir as preocupações dela e prescreve medidas simples que podem aliviar o sintoma e tranquilizar a mãe.

Diante de um paciente jovem assintomático sem fatores de risco que procura um cardiologista para um “check-up”: um cardiologista pede uma relação enorme de exames desnecessários só porque o paciente quer; outro cardiologista examina bem o paciente, explica que menos é mais e orienta hábitos de vida saudáveis. 

E você? Conhece mais algum exemplo de atitudes diferentes de médicos diante da mesma situação?

Conte para a gente na seção de Comentários, mais abaixo!

CONCLUSÕES

Se você é estudante de Medicina, interno ou residente, esforce-se para desenvolver, desde já, a atitude correta em relação aos seus pacientes. Seja aquele que de fato ajuda, e não aquele que simplesmente “cumpre sua obrigação”.

Se você é médico e já está no mercado de trabalho, reflita sobre a sua atitude profissional. Será que você está fazendo tudo que pode para ajudar os seus pacientes, dentro das limitações que o sistema de saúde e as circunstâncias impõem? Será que você não poderia fazer algo a mais? Será que não é isso que está segurando o seu crescimento na carreira?

Em tempos de crise, especialmente, esperamos sinceramente que todos os colegas pensem nisso e adotem a atitude correta em prol da saúde da comunidade.

É disso que todos precisam.

É isso que define médicos de verdade.

Boa sorte para todos nós!

Autor: 

Leandro Arthur Diehl

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DOI: 10.29327/823500-89